Nem os videntes já cravariam a sorte das Sociedades Anônimas emergentes no futebol brasileiro. Ainda é cedo para avistar uma sincronia entre os interesses de clubes, atraídos por uma salvação às finanças agonizantes; compradores, de olho no potencial lucro; e torcedores, ansiosos por títulos. Assim ponderam analistas como o consultor esportivo e professor da PUC-Rio Luiz Leo, autor do artigo “Futebol-empresa: o capitalismo chegou, afinal, no futebol brasileiro” (Revista Eptic), em parceria com o professor da UFRJ Marcos Dantas.
Ele acredita que as SAFs se consolidem por aqui no longo prazo. “Mas precisam ser implantadas como uma estratégia setorial, de maneira a beneficiar toda a indústria nacional do futebol. Isso geraria mais renda, emprego e divisas ao país”, sugere Leo, em entrevista ao programa Resenha de Primeira, comandado pelo jornalista Christian Baeta. O papo é parcialmente reproduzido abaixo:
Que balanço já se pode fazer das SAFs no país?
Ainda é cedo para avaliarmos precisamente. Vários aspectos e valores contratuais continuam desconhecidos, temos só especulações. E os principais efeitos da SAF vêm no longo prazo.
O torcedor, em geral, não tem tanta paciência…
Verdade, quer legitimamente ver a SAF logo convertida em grandes times e conquistas. Isso leva tempo, a partir de uma combinação recíproca entre saúde financeira e competitividade.
É o ambicionado, e difícil, círculo virtuoso: mais investimento, mais competitividade, mais receita…
Exato. O circulo virtuoso exige responsabilidade financeira e fiscal, governança. Requer um padrão empresarial que supostamente a SAF ajuda a amadurecer, na esteira dos avanços profissionais e administrativos derivados das Leis Zico (8.672/1993) e Pelé (9.615/1998).
Seria questão de tempo a adoção desse modelo pela maioria dos grandes clubes nacionais, como fizeram Botafogo, Vasco, Cruzeiro, Bahia, entre outros?
Acredito que sim. O modelo deveria ser implantado de forma compulsória, nos termos da lei, para beneficiar toda a indústria do futebol brasileiro e a nossa economia. Geraria mais renda, emprego, divisas. Isso ainda esbarra nas dificuldades de convergência setorial. Elas se refletem, por exemplo, nos impasses em torno da sonhada Liga nacional. Sem a filosofia ganha-ganha, como adotada nas franquias americanas, o setor não explora seu grande potencial econômico.
Por falar em convergência, o sucesso das SAFs depende também da conciliação entre os interesses econômicos do comprador e os interesses esportivos do clube e de seus torcedores, não?
Sem dúvida. Nem sempre esses interesses coincidem na mesma época. O torcedor tem, compreensivelmente, um olhar imediatista. É o dono simbólico do patrimônio pelo qual devota uma paixão incondicional. Quer obter logo o retorno esportivo. Já o comprador vê na aquisição do clube uma oportunidade de negócios. Busca o lucro, o que envolve muitos aspectos além da montagem de um bom time, como a ampliação das fontes de receita.
Muitos dos compradores têm mais de um clube, como John Textor, dono do Botafogo, do Crystal Palace (Inglaterra), do Lyon (França) e do RWD Molenbeek (Bélgica); e Ronaldo Nazário, que adquiriu o espanhol Valladolid, em 2018, e o Cruzeiro, em 2021. Clubes brasileiros perigam ficar subalternos nessas holdings?
Cada caso reúne suas especificidades. Nosso mercado do futebol sofre com as fragilidades da economia brasileira no mundo globalizado. Por outro lado, todas essas operações em clubes nacionais buscam o sucesso financeiro, fundamental para o sucesso esportivo. Nenhum desses investidores entra para perder. Mas, como eu disse, só com o tempo e o conhecimento de determinados aspectos contratuais, podemos fazer um balanço preciso sobre as SAFs no país.
A maioria dos clubes nacionais que adotam ou cogitam adotar a SAF busca uma salvação para dívidas enormes, acumuladas por décadas de irresponsabilidade fiscal e financeira. O pires na mão tem desencadeado vendas precipitadas ou relativamente baratas?
Sem saber os valores precisos de cada negócio, não há como avaliar adequadamente. Clubes com debilidade financeira têm, é lógico, menos poder de barganha. Mas isso não significa que se precipitam ou fazem mau negócio. Claro que uma mudança desse porte precisa ser muito bem planejada e executada, para render vantagens a todos os envolvidos: clube, investidor, torcedor, patrocinador e, eu insisto, a toda indústria do futebol brasileiro. A SAF representa uma oportunidade de o setor progredir.
Até que ponto o clube, ao se constituir empresa ou Sociedade Anônima, corre o risco de quebrar?
Bem, o risco, teoricamente, sempre existe nesse modelo. Mas ele se torna remoto quando a migração para a SAF é bem pensada e conduzida, de maneira profissional, alinhando os parâmetros empresariais e a governança às particularidades estruturais, socioculturais e simbólicas de cada clube. Até por isso, reforço, o modelo deveria ser implantado como uma política setorial.
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Alexandre Carauta é professor da PUC-Rio, doutor em Comunicação, mestre em Gestão Empresarial, pós-graduado em Administração Esportiva, formado também em Educação Física. Organizador do livro “Comunicação estratégica no esporte”.