A gente morre de muita coisa nessa vida. A gente morre várias vezes num mesmo dia. Mas cronista (e jornalista) não morre de tédio no Brasil. Isso já é fato e todos sabem que contra fatos não há argumentos. Todos, menos Jair e o Bispo.
Com o avanço do Coronavírus no Brasil, o que já era difícil, tornou-se dramático. E aqui, faço um recorte bem específico: o setor cultural. O Ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta – que apesar de fazer parte de um governo insalubre, tem realizado um excelente trabalho -, recomendou à população que evite aglomerações para conter a disseminação do vírus. Muitos de nós estamos isolados em casa cumprindo uma quarentena imposta em prol do coletivo. Muitos, menos Jair e o Bispo.
Por aglomerações leia-se espetáculos, shows, jogos, exposições ou mostras. Atendendo a estas recomendações, que talvez nos livre de um colapso na saúde pública, todos governadores e prefeitos dos Estados brasileiros determinaram o fechamento de cinemas, teatros e casas de shows. A lista de eventos cancelados e/ou adiados a partir desta semana é extensa e, assim como a pandemia, só cresce.
O fato é que esta pandemia (doença epidêmica disseminada em vários continentes simultaneamente) atinge o setor cultural de maneira inédita e radical. Não sabemos como o ecossistema da música, para citar apenas a área em que atuo, vai sobreviver. O setor, que vinha resistindo aos trancos e barrancos, parou. Não é possível medir os impactos econômicos e sociais neste momento mas as consequências desse apagão cultural já são sentidas em grande escala.
Do cantor de barzinho, passando pela cena independente, pelos artistas do mainstream e chegando aos grandes festivais de música como o Coachella e o Lollapalloza, todos estão sendo afetados. Quando um artista tem seu show cancelado, roadies, produtores, agentes, técnicos de som e luz deixam também de ganhar. Num país cujo presidente demoniza a classe artística, o segmento perde sua maior (e, talvez, única) fonte de sustentabilidade econômica, o público.
Vários textões estão sendo compartilhados numa tentativa de conscientizar o público da importância de se ter empatia num momento tão singular da história recente da humanidade. A coluna de hoje é mais um deles.
O tom imperativo ao dizer “não saiam de casa, seus irresponsáveis” só vale pro Jair e pro Bispo. Não dá morar no Brasil e achar que todos possuem residências com infraestrutura adequada, empregos com autonomia e que as relações familiares são saudáveis. Não dá para morar no Rio de Janeiro e achar que isolamento social é férias. A menos que você seja o Jair ou o Bispo. Não sendo, é preciso empatia.
Há maneiras de apoiar o setor cultural nesse momento e prometo fazer um levantamento ainda esta semana e publicar neste espaço. Por enquanto, aqueles que puderem, ocupem-se com música, livros, filmes e séries. “Essas coisas” produzidas pelos profissionais que mais estão sendo prejudicados pelo novo governo e um dos setores mais atingidos por esta pandemia. A terra é redonda e há de girar.
Papo de Música da semana
Dando continuidade, neste mês de março, a série de entrevistas com mulheres que ajudam a fazer da música brasileira a mais diversa e importante do mundo, fui até Belém, capital do Pará, conversar com a cantora e compositora Keila. Ex integrante da Gang do Eletro, Keila é uma artista acostumada a quebrar padrões. Nesta entrevista exclusiva e inédita pro meu canal no Youtube, a artista relembra sua trajetória, fala da importância da cena musical se organizar para conseguir se apropriar dos benefícios legais de incentivo à cultura. Vale o play.