Na última sexta, o Prêmio Nobel da Paz anunciou que os jornalistas Maria Ressa, das Filipinas, e Dimitri Muratov, da Russia, foram os ganhadores deste ano. A premiação reconheceu a importância do jornalismo profissional na defesa da liberdade de expressão e dos demais princípios democráticos num momento em que a profissão vem sofrendo ataques violentos em todo mundo. Lembro bem, e imageticamente, quando surgiu minha vontade de ser jornalista. Pedro Bial, então correspondente internacional, estava cobrindo a Guerra do Golfo para a TV Globo e me fascinou saber que havia uma profissão que viajava o mundo registrando a história que eu aprendia nos livros. Nessa época, eu tinha apenas 10 anos.
Pedro Bial foi minha primeira referência profissional. A segunda foi Patrícia Palumbo, anos depois, apresentando o programa “Conversa Afinada”, na finada TV Educativa (hoje, TV Brasil, embora a programação atual não se pareça em nada com a da emissora que eu via quando era adolescente). Comecei a acompanhar a Patrícia por volta de 2002 quando eu já cursava jornalismo. Patrícia trabalhava com música e entrevistava todos os artistas que eu ouvia em casa. Passei a estagiar na MPB FM (emissora de rádio carioca que encerrou suas atividades em 2017) e a ouvir o “Vozes do Brasil”, programa premiadíssimo e de suma importância pro rádio brasileiro. Anos depois, fui me aproximando da Patrícia e pude dizer a ela o quanto ela me inspira a ser uma profissional melhor.
Patrícia Palumbo é uma das maiores radialistas do Brasil. Toda emissora de rádio deveria ter um programa como o “Vozes do Brasil”, cuja programação pega o ouvinte pela mão e o convida a passear por épocas e estilos de canções feitas no Brasil desde o início do século XX até os dias atuais. Inquieta, não se contentou em ter um programa retransmitido em inúmeras emissoras e criou sua própria rádio, a Rádio Vozes. Desde o início da pandemia, tem colocado no ar semanalmente o podcast Peixe Voador, uma espécie de diário intimista e literário que começou como uma forma de deixar os dias de isolamento mais leves e hoje já caminha pra edição de número 100.
Patrícia se desdobra em tantas. E nesta segunda, véspera do feriado da nossa padroeira, nos presenteia com o lançamento do Selo Rádio Vozes, que contou com o auxílio luxuoso de Flávia Souza Lima, e uma merecida homenagem a Tom Zé, pilar fundamental da música popular brasileira que completa 85 anos.
“O repertório da canção popular é vastíssimo e um compositor como Tom Zé, sozinho, já é um universo inteiro. Visitando sua discografia encontramos sambas, xotes, toadas e temas inclassificáveis como só um gênio inventor como ele seria capaz de fazer. Sempre gostei de juntar vozes e canções e, para mim, a obra de Tom Zé merece mais vozes. Com esse desejo, comecei a chamar artistas com quem sabidamente compartilho a admiração por essa obra e a sugerir composições para juntos formarmos essa grande onda. Uma onda musical diversa e criativa onde cada um surfa como quer. Depois das sugestões aceitas, começaram a chegar as versões e o resultado está colorido como uma mata tropical, pop e antropofágico como é a nossa música – que tem Tom Zé entre seus pilares fundadores”, explica Patrícia.
O primeiro single desse projeto ganhou as vozes de Fernanda Takai e John Ulhoa. A cantora mineira é uma intérprete que nos conduz ao compositor e isso é raro. “Se o Caso é Chorar” é o single que apresenta o projeto “Uma onda para Tom Zé” que trará outros encontros artísticos. Esta canção chegou ao primeiro lugar nas paradas de sucesso em 1972.
O trabalho de um curador musical, pouco valorizado por aqui, é uma prestação de serviço imensa. O garimpo que Patrícia Palumbo tem feito ao longo de sua trajetória deve ser reverenciado e descoberto pelas gerações mais novas.
Mais do que nunca, jornalistas e radialistas precisam contar às audiências quais são os valores da profissão. Seus compromissos com a verdade, história, transparência e independência precisam ser disseminados. Quando uma premiação com a importância do Nobel prestigia a nossa profissão, todos nós ganhamos por tabela. Ao reverenciar Patrícia Palumbo e Tom Zé, me comprometo com a minha profissão e com esse legado imenso chamado música popular brasileira.