Fabiano Serfaty

Por Fabiano M. Serfaty, clínico-geral e endocrinologista, MD, MSc e PhD. Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Saúde, Prevenção, Tratamento, Qualidade de vida, Bem-estar, Tecnologia, Inovação médica e inteligência artificial com base em evidências científicas.
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O que a Covid-19, a obesidade, o câncer e a diabetes têm em comum?

Estamos vivendo várias epidemias ao mesmo tempo. Além da pandemia causada pelo novo coronavírus, vivemos as epidemias das doenças crônicas

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Atualizado em 30 jun 2021, 09h31 - Publicado em 13 Maio 2021, 21h38
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  • Dr. Fabiano M. Serfaty: 

    Estamos vivendo várias epidemias ao mesmo tempo. Além da epidemia causada pelo novo coronavírus, vivemos as epidemias das doenças crônicas, como obesidade, doenças cardiovasculares, câncer e diabetes. A presença dessas doenças está relacionada com aumento na mortalidade em pacientes com Covid-19.  Convidei para veja, meu amigo Travis Christofferson para discutir sobre a relação metabólica e mitocondrial entre todas estas epidemias.

    Admiro muito o trabalho que Travis, que é americano, está fazendo pelo mundo. Travis é mestre em ciência pela South Dakota School of Mines and Technology com graduação em biologia molecular no Honors College – Montana State University. Atualmente, Travis é escritor científico em tempo integral, tendo publicado livros como Tripping Over the Truth(1); Curable; e KetonesThe Fourth Fuel: Warburg to Krebs to Veech. Ele também fundou uma instituição beneficente contra o câncer, a Foundation for Metabolic Cancer Therapies.

    Travis, qual a importância da relação entre todas estas epidemias?

    Travis Christofferson: 

    Fabiano , obrigado pelo convite em participar da sua coluna na veja. De fato, existe uma importante relação entre a epidemia do novo coronavirus e as doenças crônicas, que são  as doenças que mais matam em todo planeta.

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    A grande maioria das doenças crônicas como a obesidade, doenças cardiovasculares, câncer e diabetes estão centradas na resistência à insulina. Quando um paciente desenvolve resistência insulínica, todo o seu metabolismo funciona com menos eficiência. Mais da metade da população mundial apresenta resistência à insulina, portanto a situação é muito mais grave que a maioria das pessoas imagina(2). 

    A resistência à insulina exerce influência no desenvolvimento da maioria das doenças crônicas. Para entendermos melhor a resistência à insulina, gosto de fazer uma analogia à uma empresa que fornece energia elétrica para uma cidade. Se esta empresa ao longo dos anos, começar reduzir lentamente sua produção de energia, as luzes da cidade vão ficando mais fracas, os produtos essenciais sendo fabricados mais lentamente e o lixo levando mais tempo para ser coletado. A energia também é necessária para processar o de uma cidade lixo, ou seja, tudo na cidade ficando mais lento e funcionando com menos eficiência, simplesmente porque não há energia suficiente. A mesma coisa acontece no corpo de um paciente com resistência à insulina à medida que esta resistência progride; os pensamentos e as memórias são processados mais lentamente, o potencial antioxidante dentro das células diminui, a produção de neurotransmissores, como a serotonina e a dopamina, é reduzida e o sistema imunológico começa a trabalhar com mais dificuldade. A resistência à insulina é uma condição patológica em cadeia em todo o sistema humano. Quando entendemos isso, ficam claros os caminhos metabólicos em comum, que fazem com que a obesidade, câncer, doenças cardíacas e o diabetes sejam fatores de risco para todas as doenças crônicas e infecções virais, como a covid-19.

    Dr. Fabiano M. Serfaty:

    Existem benefícios comprovados em utilizar medicamentos para tratar estas doenças crônicas, que podem ser úteis no tratamento da Covid-19, como a metformina?

    Travis Christofferson: 

    Este é um tema fantástico, que infelizmente, é excluído em muitos grupos que estudam a covid-19. As doenças crônicas e  a idade são um dos principais fatores de risco de mortalidade na Covid-19. Recentemente, vários estudos demonstraram uma redução substancial da mortalidade em pacientes que utilizaram a metformina(3). Isso sugere que, além do controle glicêmico, a metformina pode ter um efeito protetor contra o agravamento da Covid-19 e que muitos pacientes podem se beneficiar com o uso desta medicação, que é barata e de fácil acesso em todo mundo.

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    A metformina também parece retardar o envelhecimento. Algo que já foi demonstrado e publicado que o uso da metformina melhora a resistência à insulina e aumenta a expectativa de vida em metazoários. Um corpo em idade avançada é como a metáfora da nossa cidade na questão anterior, todas as funções vitais diminuem e tudo começa a piorar: as ruas estão desmoronando; o lixo está se acumulando, pois não está sendo coletado com eficiência; e as “usinas elétricas” (fontes de energia) estão funcionando com menos eficiência. A metformina desencadeia uma resposta celular que parece revitalizar a funcionalidade celular central: a “usina” (mitocôndrias) começa a funcionar melhor e as células-tronco ficam menos exauridas. Com esses sistemas centrais funcionando com mais eficiência, outros sistemas celulares começaram a atingir o equilíbrio, a inflamação consequentemente diminui e a função do sistema imunológico melhora substancialmente.

    É no mínimo curiosa, a forma como a maioria das instituições relacionadas com saúde enxerga o envelhecimento. Parece que há um viés cognitivo arraigado em relação ao envelhecimento – simplesmente a maioria das pessoas não o considera uma doença. Nós aceitamos de forma submissa e equivocada que o envelhecimento está na categoria de fatores inevitáveis e a maior parte do dinheiro da pesquisa vai para doenças individuais, em vez de terapias antienvelhecimento. No entanto, os dados são claros que analisar os cuidados de saúde e focar em cada doença individualmente é uma estratégia equivocada; por exemplo, se amanhã fosse desenvolvida uma pílula que curasse o câncer, a vida humana seria prolongada em menos de três anos, pois a vasta maioria dos tumores ocorre na população idosa e a grande maioria desses pacientes apresenta doenças crônicas concomitantes que estão em progressão.

    Por outro lado, qualquer intervenção terapêutica que retarde o envelhecimento diminuirá o risco de todas as doenças crônicas e melhorará a saúde da população de maneira significativa. Isso não significa que não devemos tentar desenvolver terapias para doenças individuais, mas que devemos alocar mais recursos em grandes estudos clínicos focados em terapias antienvelhecimento – os dados sugerem fortemente que o potencial de retorno sobre o investimento é muito maior sob uma perspectiva de saúde pública.

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    Na minha opinião, os avanços no tratamento das doenças crônicas específicas, como obesidade, câncer, doença de Alzheimer, doenças cardiovasculares e diabetes, provavelmente virão de terapias focada no retardo do envelhecimento.

    Referências:

    1. Tripping over the Truth by Travis Christofferson | Chelsea Green Publishing. (2021). Retrieved 25 February 2021, from https://www.chelseagreen.com/product/tripping-over-the-truth/
    2. Covid-19, obesidade, diabetes e câncer: o que todos têm em comum? Fabiano M. Serfaty and Travis Christofferson Medscape. https://portugues.medscape.com/verartigo/6506071#vp_1
    3. Scheen, A. (2020). Metformin and COVID-19: From cellular mechanisms to reduced mortality. Diabetes & Metabolism46(6), 423-426. doi: 10.1016/j.diabet.2020.07.006
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