A Polícia Federal deflagrou nesta quinta (8) a operação Catarse, visando desarticular um esquema criminoso especializado na falsificação de diplomas de medicina. A investigação teve início após o Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro(CREMERJ) ser comunicado sobre a existência de requerimentos de registros profissionais de médicos com documentos falsificados de graduação em medicina. Os mecanismos de segurança que possam proteger os pacientes são fundamentais para toda a sociedade. O CREMERJ está ajudando a população a identificar os falsos médicos e está protegendo os verdadeiros médicos para que possam exercer a medicina legalmente. Para entender melhor este trabalho fundamental para população, convidei o Dr. Raphael Câmara Medeiros Parente, médico, Conselheiro Federal de Medicina pelo Rio de Janeiro e ex-secretário nacional de atenção primária do Ministério da Saúde.
Dr. Fabiano M. Serfaty: Como a população pode se proteger do exercício ilegal da medicina?Dr. Raphael Câmara Medeiros Parente: O CREMERJ está auxiliando a Polícia Federal, denunciando e dando o aparato técnico para garantir quem são os verdadeiros médicos e os falsos. O CREMERJ e o Conselho Federal de Medicina(CFM) são inabaláveis na defesa da medicina e da boa saúde para a população. Nossos sites têm foto e CRM de cada médico. Sempre confira se quem está atendendo é realmente um médico. Na dúvida, é só ligar para o CREMERJ ou CFM, que diremos se a pessoa é médico. Condutas estranhas, valores muito baixos, locais insalubres levam a desconfiar se se trata ou não de um médico. Lamentavelmente, com um grande número de péssimas faculdades de medicina se reproduzindo sem controle do governo e pessoas vindas de outros países fazendo revalidação, muitas vezes mambembe, em universidades públicas cresce o número de erros mesmo com médicos reais. Mas aí temos nossos meios de os retirar do mercado também.
Dr. Fabiano M. Serfaty: Vivemos hoje na era da medicina baseada em evidência. Não temos dúvida da importância da metodologia científica para evolução da saúde, mas sabemos que abordar doenças crônicas e multifatoriais, como a depressão e a obesidade, requer uma abordagem mais individualizada. Existe um caminho que consiga unir ambas visões ?
Dr. Raphael Câmara Medeiros Parente: Certamente. Uma boa formação técnica na faculdade, junto com uma formação humanista, consegue unir ambas as visões. Atualmente, com muitas faculdades péssimas, os dois caminhos ficam complicados. Há professores despreparados que não têm qualquer condição de passar isso para os alunos. E muitos fazem a faculdade de medicina somente pensando no dinheiro que isso vai dar, sem preocupação com o paciente. Além disso, obviamente, sem salário e ambiência adequada para que o médico possa fazer uma consulta de qualidade é impossível se tratar o paciente de forma ampla e com o cuidado que ele merece, já que num local com 40 graus de temperatura e recebendo uma remuneração não compatível, o médico acabará tendo de atender um número maior de pessoas.
Dr. Fabiano M. Serfaty: Qual a sua posição sobre trazer novamente médicos estrangeiros sem registro médico profissional no conselho Federal de Medicina Brasileiro para o Brasil?
Dr. Raphael Câmara Medeiros Parente: Uma irresponsabilidade, que coloca em risco a vida da população brasileira pobre. Médico no Brasil é quem tem registro médico profissional no Conselho Federal de Medicina Brasileiro. Colegas de fora são muito bem-vindos se fizerem e passarem na prova de revalidação do diploma médico: o “Revalida”. Uma prova que exclui pessoas despreparadas. Para resolver o problema dos locais mais distantes, nossa gestão no Ministério da Saúde criou o programa “Médicos pelo Brasil”, que é uma espécie de carreira de Estado, com salários que podem chegar perto de 40.000 reais e que certamente poderão resolver este problema. Já colocamos em campo mais de 5000 médicos após seleção pública rigorosa que seleciona os melhores profissionais. Como conselheiro do CREMERJ e do CFM posso garantir que tomaremos todas as atitudes possíveis para impedir este desrespeito aos médicos brasileiros e, principalmente, para a população que merece ser atendida por médicos capacitados e confiáveis. Quando se defende uma medicina de qualidade se defende a saúde da população.
Dr. Fabiano M. Serfaty: Qual sua opinião sobre os atos próprios da medicina que muitas vezes são invadidos por outras profissões?
Dr. Raphael Câmara Medeiros Parente: A discussão da Lei do Ato Médico levou à abordagem deste importante tema. Havia um projeto de Lei que definia muito bem o que seria atribuição exclusiva do médico e era apoiado pelas entidades médicas. Mas o governo Dilma vetou importantes artigos e, com isso, abriu brecha para outros profissionais invadirem as prerrogativas médicas, muitas vezes colocando em risco a população. Pior, em várias situações englobadas inclusive pela Lei, a Justiça, sem qualquer embasamento, tem dado ganho de causa para alguns outros conselhos profissionais. Nós do CFM e CREMERJ sempre recorremos com mais vitórias que derrotas. Esta confusão legal dá força para outras profissões invadirem nossas atribuições por meio de resoluções dos conselhos profissionais. Essa situação de quase guerra se dá principalmente em práticas ligadas à estética, obviamente por motivos financeiros. Nunca vi nenhuma outra profissão brigar, por exemplo, para dar declaração de óbito, que é de graça.
Dr. Fabiano M. Serfaty: Qual sua opinião sobre a abertura indiscriminada de faculdades de medicina?
Dr. Raphael Câmara Medeiros Parente: Um horror. Uma profusão de faculdades sem quaisquer condições de formar minimamente um médico com as condições básicas para atender a população. É assustador. As pessoas que por questões ideológicas, financeiras ou corporativistas defendem essa abertura não percebem que se um dia forem atendidas por um desses médicos num acidente numa estrada, por exemplo, estarão fadadas a morrer. Virou um negócio macabro. Basta ter cerca de 10.000 reais por mês para pagar por seis anos que se tem a certeza que irá se formar em medicina. E depois estará livre para matar caso não tenha tido uma boa formação. Atualmente, parte dos gestores tem como única preocupação ter um médico para atender sem estarem minimamente capacitados para tal. Não percebem – ou percebem e não se importam – que isso poderá ser pior para a população e para eles, que terão piores índices de saúde e maiores gastos com a reparação de danos. Isso coloca em altíssimo risco a população.
Dr. Fabiano M. Serfaty: Casos gravíssimos recentes de estupros em situações anestésicas ocorreram. O que pode estar gerando isso e como nos proteger deste tipo de situação?
Dr. Raphael Câmara Medeiros Parente: O ensino desqualificado, com péssimos professores que não trazem em seu âmago os preceitos bioéticos da medicina e que não selecionam seus alunos, é um dos grandes responsáveis pela formação médica desqualificada. É um cenário de horror. No último caso no Rio, a pessoa sequer era formada em medicina na época dos fatos e estava atuando sem qualquer supervisão pelo menos na hora dos estupros. Um ocorrido em seu local de pós-graduação na UFRJ e outro – sabe-se lá como, já que não era médico – num hospital em Saquarema, atuando como anestesista sem qualquer supervisão. A população pode ter certeza de que não será punido somente o médico se comprovada sua culpa que, inclusive, já foi interditado por nós do CREMERJ, mas também serão investigados os que permitiram este ato ocorrer por negligência na supervisão, no caso da UFRJ, e por o terem permitido agir sem ser médico, no caso de Saquarema. Nós temos tolerância zero com estuprador.
Profissional Convidado:
Dr. Raphael Câmara Medeiros Parente
Médico
Conselheiro Regional e Federal de Medicina pelo Rio de Janeiro
Ex-Secretário Nacional de Atenção Primária do Ministério da Saúde
Fontes:
1. https://www.gov.br/pf/pt-br/assuntos/noticias/2023/02/pf-realiza-operacao-contra-esquema-de-falsificacao-de-diplomas
2. https://www.cremerj.org.br/informes/exibe/655;jsessionid=74373C38E8B5D6CC50CD4D406408D432