Há poucas semanas, o grupo de investigadores canadenses liderados pelo prof. Salim Yusuf publicou os resultados de um grande estudo destinado a investigar a influência de padrões de alimentação sobre mortalidade geral e cardiovascular numa expressiva amostra populacional acompanhada por cerca de dez anos em diversos países, estratificados segundo nível de renda média – alta, moderada ou baixa. Dentre as várias conclusões deste enorme esforço de recrutamento e acompanhamento de 130 mil homens e mulheres ao redor do mundo, ao menos uma gerou bastante controvérsia: em pessoas a princípio saudáveis, o consumo de gorduras, inclusive as saturadas, teria efeito protetor, diminuindo a incidência de mortes por causas não cardiovasculares ¹.
Na semana passada, os mesmos autores publicaram no periódico Lancet os resultados de mais um estudo derivado da mesma coorte: desta vez – arrisco afirmar – menos propenso a gerar controvérsias e, pelo contrário, portador de importante mensagem à população e autoridades². Através de um questionário validado, os pesquisadores registraram o nível de atividade física, recreativa ou ocupacional, em 130 mil homens e mulheres, classificando-o como baixo, moderado ou alto de acordo com o número de METS gastos semanalmente (MET, a sigla para equivalente metabólico, corresponde a uma medida de consumo de oxigênio corporal e se correlaciona com intensidade de atividade física).
Independentemente do nível de renda dos países de origem, aqueles que se exercitavam moderadamente experimentaram, ao longo de 10 anos, uma redução de 20% no risco de morrerem por causas não cardiovasculares e de 14% nas chances de um ataque cardíaco em comparação com os indivíduos considerados de baixa atividade física. Para o grupo envolvido em atividade física enérgica, a redução no risco foi de, respectivamente, 45% e 14% para mortes não cardíacas e ataques cardíacos.
Como principal lição a extrair deste estudo, novamente impõe-se a relevância de um estilo de vida saudável como método altamente eficaz de evitar doenças sem a interferência de medicamentos. A longo prazo, o efeito benéfico do exercício físico regular é tão expressivo ou até superior ao das estatinas em prevenção primária, ou seja, em pessoas a princípio livres de doença cardiovascular, com a vantagem de não gerar sintomas musculares – infrequentes com o uso de estatinas, porém desconfortáveis – e auxiliar na prevenção de diabetes, em contraste com a tendência destes medicamentos em facilitar seu aparecimento, particularmente nos pacientes mais propensos ao desenvolvimento do diabetes.
De forma alguma pretende-se aqui desqualificar a formidável contribuição das estatinas na redução das mortes e ataques cardíacos em pacientes sob risco, mas não custa lembrar que aproximadamente 40% dos pacientes com formal indicação para uso de estatinas após um infarto do miocárdio interrompem seu uso ou reduzem a dose por conta própria ao longo de 2 anos de acompanhamento, expondo-se ao perigo de um novo evento cardiovascular³. Infelizmente, para muita gente também a atividade física regular é um hábito de difícil adoção e pouca persistência. Há, contudo, muitas formas de torna-la uma atividade lúdica e cabe a nós, médicos, a responsabilidade de influenciar nossos pacientes a buscar a adoção de hábitos saudáveis de vida –de preferência, servindo-nos de exemplo!
Referências:
1. Dehghan M et al. Associations of fats and carbohydrate intake with cardiovascular disease and mortality in 18 countries from five continents (PURE): a prospective cohort study. Lancet. 2017; doi: 10.1016/S0140-6736(17)32252-3. [Epub ahead of print]
2. Lear SA et al. The effect of physical activity on mortality and cardiovascular disease in 130 000 people from 17 high-income, middle-income, and low-income countries: the PURE study. Lancet 2017; doi:10.1016/S0140-6736(17)31634-3 [Epub ahead of print]
3. Chowdhury R et al. Adherence to cardiovascular therapy: a meta-analysis of prevalence and clinical consequences. Eur Heart J 2013;34:2940-48
Mestre em Cardiologia, Doutor em Fisiopatologia Clínica e Experimental
Professor adjunto de medicina interna da UERJ
Coordenador da Disciplina de Fisiopatolgia Clínica e Experimental da UERJ