Que toda grande crise traz oportunidades é um fato inquestionável. Nas grandes crises mundiais ocorridas após a gripe espanhola de 1918 (crise de 29, Segunda Guerra Mundial, ataques terroristas de 11 de setembro, bolha imobiliária de 2008 e agora o COVID 19 – SARS-COV2) o aprendizado decorrente da crise trouxe mudanças significativas na nossa vida. Mas talvez a crise de saúde atual traga mudanças sem precedentes na educação, no trabalho e principalmente na saúde.
Talvez duas das áreas com mais inércia no segmento de mudanças tecnológicas seja a educação (considerando todo o ciclo desde o pré-escolar) e a saúde. Olhar uma foto de um hospital ou escola da década de 50 e atual não difere muito – ou seja, o modelo continua essencialmente presencial, no contato presencial entre professores e alunos ou médicos e pacientes.
Toda essa realidade foi impulsionada radicalmente pelo SARS-COV-2. A partir da necessidade mandatória de isolamento social, as escolas tiveram que se adequar rapidamente a um ambiente 100% virtual – assim como as demandas de saúde da maior parte das especialidades clínicas. Com exceção de urgências e emergências, os outros atendimentos eletivos desapareceram – e o ambiente virtual trouxe a oportunidade de expandir a acessibilidade ao atendimento de saúde.
Para exemplificar como a crise de saúde catapultou a velocidade da adesão de teleatendimento em saúde, o Conselho Federal de Medicina (CFM) levou praticamente 16 anos (de 2002 até 2018) para regulamentar a telemedicina no Brasil. E pasmem, essa resolução que regulamentou a telemedicina durou apenas 2 meses – de dezembro de 2018 a fevereiro de 2019.
Trazendo para 2020 podemos dizer que na área médica, o CFM levou 18 anos discutindo telemedicina sem chegar a uma regulamentação – e tudo isso foi atropelado em 40 dias pelo COVID 19: em pouco mais de um mês, duas portarias do Ministério da Saúde e posteriormente uma Lei (a 13.989 de abril de 2020) tornou e regumentou a telessaúde (não só para medicina mas para todos os profissionais de saúde, como nutricionistas, psicólogos entre outros) enquanto perdurar a crise de saúde no Brasil.
Essa urgência e velocidade em viabilizar a telessaúde gerou uma corrida para uso de ferramentas de comunicação online para atender os pacientes, tirar dúvidas, identificar risco de sintomas de COVID 19 – a corrida se estendeu também no segmento de certificação digital uma vez que se tornou necessário assinar digitalmente documentos na parte de saúde (como atestados, pedidos de exames e receitas médicas) de forma que tivessem validade jurídica.
Questões importantes na telessaúde ainda carecem de maior discussão: como será a remuneração dos profissionais de saúde? como melhorar a capacidade de obtenção de sinais vitais e realizar um exame físico a distância? como garantir a privacidade e o sigilo da comunicação entre profissionais de saúde e pacientes?
Não há dúvidas que a telessaúde chegou de urgência e veio para ficar. Nos EUA antes do COVID apenas de 11% da população já havia feito algum tipo de atendimento em saúde a distância (apesar de lá ao contrário daqui a telessaúde já estar regulamentada há bem mais tempo) tendo pulado para mais de 46% no início da pandemia. Estima-se que lá o COVID 19 levou o serviço de telessaúde a um negócio com projeção de 3 bilhões de dólares por ano.
Por aqui, no Brasil, claramente podemos ver que a telessaúde pode melhorar a abrangência do atendimento no SUS, chegar a populações nesse país continental que ainda não tem atendimento básico de saúde adequado. Nas grandes cidades, com trânsito sempre caótico, imaginar que você não precisa mais perder uma manhã ou tarde de trabalho para ir na consulta médica levar o resultado dos seus exames isso é definitivamente uma enorme vantagem – tanto para pacientes, como para médicos, podendo aumentar a quantidade de indivíduos que possa atender.
Esse futuro da saúde, acelerado pelo COVID 19, ainda pode trazer muito mais e rápido: sistemas de inteligência artificial que podem fazer triagem de pacientes, identificar interações de medicamentos trazendo mais segurança no uso de medicamentos, gadgets que permitem monitorar seus sinais vitais, que permitam realizar em casa exames laboratoriais, de urina e até mesmo um eletrocardiograma no celular que envie direto para seu cardiologista.
O novo normal está ai. E a nova saúde também.
Dr Carlos J. C. Lopes
Médico, Diretor Executivo da MEDX Tecnologia
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