Três jovens por volta de 20 anos se veem diante dos desafios típicos da idade. Poderia ser mais uma série ao estilo de “Friends”, se não fosse por um detalhe: os três são autistas. Em “As we see it” (Amazon), Jack, Harrison e Violet tem dificuldade em fazer amigos, engatar num namoro e arrumar emprego. O que já são momentos delicados para qualquer jovem, cercados de medos e ansiedade, se agravam diante do espectro autista.
O tema dos autistas adultos é cada vez mais frequente, à medida em que esta população diagnosticada na primeira infância, torna-se cada vez mais velha. Embora não haja muitas pesquisas sobre o autismo entre adultos, estima-se que 2,21% dos americanos com mais de 18 anos tenham autismo, ou seja, mais de cinco milhões de pessoas, número bastante expressivo. Se a sociedade tem pouca prática em lidar com crianças e jovens no espectro autismo, tem ainda menos habilidade com autistas adultos, que desejam e podem amar, trabalhar e ter uma vida produtiva.
Os traços comportamentais dos autistas infanto-juvenis, de maneira geral, seguem os acompanhando quando adultos: metódicos, atrelados à rotina, dificuldade de comunicação e sociabilidade, como baixa interação social e relacionamentos amorosos, muitas vezes caracterizados por conflitos. A consequência é que há altas taxas de desemprego ou subemprego entre esse público, baixa participação na educação além do ensino médio, a maioria continua morando com familiares ou parentes e quase a metade passa pouco ou nenhum tempo com amigos.
O diagnóstico de autismo pela primeira vez na idade adulta é mais comum do que se pensa, apesar da carência de atendimentos médicos com essa finalidade no Brasil. Por se tratar de um transtorno do desenvolvimento, os sintomas já são aparentes na primeira infância. Com frequência, essas pessoas dizem que sempre souberam que algo “estava errado”, sempre pareceu “estranho” ou nunca “se encaixou”, mas eram confundidas com timidez excessiva, em muitos dos casos.
A exposição à enorme quantidade de material e aos testes e questionários de autodiagnóstico disponíveis gratuitamente na internet, pode levar à decisão de buscar esclarecimentos sobre a possibilidade de estar no espectro e, posteriormente, à sua chegada como adulto ao consultório. O diagnóstico médico, mesmo que tardio, pode ser útil para que haja melhor compreensão das dificuldades ao longo da vida, apoio de familiares e amigos, indicações de tratamentos e medicamentos, se for o caso.
É o que acaba de constatar o professor Guilherme de Almeida, 39 anos. Cursando Doutorado na Unicamp e diagnosticado como autista há pouco mais de um ano, depois de sofrer por anos com diagnósticos errados, Guilherme decidiu ajudar adultos que suspeitam ter a mesma condição que ele. O professor criou o CAUCamp (Coletivo Autista da Unicamp), grupo que direciona as pessoas para especialistas que cobram valores acessíveis pelas consultas – assim como já fazemos na Santa Casa do Rio há mais de 20 anos.
A ação de Guilherme tem alcançado uma longa rede: sob orientação do psicólogo Mayck Hartwig, especializado em Transtorno do Espectro Autista, foram identificadas 52 pessoas com diagnóstico de autismo na Unicamp, entre alunos, docentes e funcionários, entre julho e outubro de 2021.
Fabio Barbirato é psiquiatra pela ABP/CFM e responsável pelo Setor de Psiquiatria Infantil do Serviço de Psiquiatria da Santa Casa do Rio. Como professor, dá aulas na Pós Graduação em Medicina e Psicologia da PUC-Rio. É autor dos livros “A mente do seu filho” e “O menino que nunca sorriu & outras histórias”. Foi um dos apresentadores do quadro “Eu amo quem sou”, sobre bullying, no “Fantástico” (TV Globo).