O Brasil e o mundo se chocaram, mais uma vez, com os ataques racistas – verbais e gestuais – lançados contra o brasileiro Vini Jr, do Real Madrid, um dos maiores jogadores de futebol do mundo. Embora não chegue a ser uma novidade – há dez registros na Justiça de racismo apenas contra Vini Jr, desde outubro de 202 –, as imagens são chocantes especialmente pela falta de pudor dos agressores em, mesmo sabendo-se filmados e fotografados, manterem seus insultos racistas contra o jogador. As autoridades do Brasil cobraram atitudes enérgicas dos espanhóis – que, até o momento, reagiram de forma constrangedoramente modesta ao episódio vergonhoso.
Olhando detidamente a foto que circula na internet, contata-se uma massa de torcedores brancos, adultos e majoritariamente masculina, embora haja mulheres e crianças na cena. Como psiquiatra e pai, isso me preocupa duplamente. Que tipo de educação essas crianças estão recebendo em casa? Que tipo de valores esses adultos estão transmitindo aos seus filhos?
É fundamental que os pais entendam que a educação antirracista é dada por eles, em casa, através de conversa e, ainda mais importante, de atitudes. Se esses crimes persistem, é porque encontram espaço em muitos lares. Gostaria de acreditar que no Brasil é diferente, mas não creio que isso seja a realidade. Pesquisa do Observatório de Discriminação Racial no Futebol no Brasil comprova a ascensão de casos de racismo em campo: em 2021 foram 64 casos, número que saltou para 90 em 2022.
Em consultório, já me foi dito mais de uma vez que grupos de WhatsApp de turmas de colégios – alguns com a fama de melhores da cidade – com mensagens homofóbicas ou racistas proferidas por alunos. Imediatamente, me remete a pergunta central: que tipo de informação recebe em casa uma criança que, com frequência, lança ofensas racistas ou homofóbicas contra outras?
Não é raro chegarem até nós alegações de que os filhos são influenciados por redes sociais ou conteúdos que acessam na internet. O que alguns pais tem dificuldade – ou não querem – entender é que isso também é de responsabilidade deles. Cabe aos pais ou responsáveis supervisionar e monitorar o tipo de material a que os menores acessam, bem como controlar o número de horas online.
No entanto, o que mais testemunhamos hoje em consultório – seja público ou particular – é o desejo em não contrariar os filhos. Sob o questionável argumento de “serem amigos” ou evitarem confronto, pais não exercem a devida e necessária autoridade dentro de casa e acabam delegando a obrigação para a escola (que sequer tem este compromisso) ou cedendo a todo o tipo de pedido ou chantagem emocional que venha dos filhos. Agindo assim, criam verdadeiros déspotas dentro que casa, que tem dificuldade em ouvir um “não” – palavrinha que irão ouvir bastante pela vida a fora.
Por tudo isso é que a educação antirracista é fundamental. Cabe aos pais e responsáveis não se furtarem ao seu papel de educadores, transmitirem e cobrarem os valores corretos dos filhos. O caso de Vini Jr é uma excelente oportunidade para que o assunto vire tema de conversa entre pais e filhos, por uma sociedade mais justa e igualitária.
Fabio Barbirato é psiquiatra pela ABP/CFM e responsável pelo Setor de Psiquiatria Infantil do Serviço de Psiquiatria da Santa Casa do Rio. Como professor, dá aulas na pós-graduação em Medicina e Psicologia da PUC-Rio. É autor dos livros “A mente do seu filho” e “O menino que nunca sorriu & outras histórias”. Foi um dos apresentadores do quadro “Eu amo quem sou”, sobre bullying, no “Fantástico” (TV Globo).