Celulares proibidos nas escolas é uma boa notícia, mas é preciso mais
De nada adianta proibir os aparelhos em aulas se as crianças tem livre acesso em casa

O ano letivo recomeçou no Brasil com novidades: a partir de agora, os telefones celulares estão oficialmente barrados nas escolas, após lei sancionada pelo presidente Lula, em janeiro. A partir de agora, alunos do Ensino Básico no Brasil não podem mais fazer uso do celular nas dependências da escola, nem mesmo durante os recreios ou intervalos. O Brasil adota a medida com relativo atraso. Mais de 60 países já se valem de políticas públicas a respeito do uso de celular nas escolas, nações como Portugal, França, China, Nova Zelândia, Itália, além de muitos estados americanos.
A medida passa a ser adotada no Brasil quando já se sabe que o uso indiscriminado de celular nos colégios trazia prejuízos pedagógicos e comprometimentos comportamentais e à saúde mental. O atendimento a crianças e jovens no Sistema Único de Saúde (SUS) por ansiedade aumentou 1.300% na última década. Não resta dúvida que isso está intrinsicamente atrelado ao número excessivo de horas que os mais novos passam diante das telas dos celulares e conectados às redes sociais.
O Rio de Janeiro foi a primeira cidade do país a proibir aparelhos celulares no Ensino Fundamental das escolas públicas. Segundo a regra, os alunos nunca podem pegar no telefone durante as aulas, apenas antes de elas começarem ou ao final do dia. De acordo com a própria Secretaria Municipal de Educação (SME) houve uma perceptível redução nos casos de bullying e uma melhora no desempenho escolar, com mais participação nas classes e melhores notas dos alunos (em Matemática, por exemplo, a melhora a melhora foi de 53%). Resultados mais concretos são facilmente explicados porque, segundo a Unesco a partir de pesquisas em 14 países, a proximidade com o celular é capaz de causar distração e impactar negativamente no processo de aprendizagem.
No entanto, é sabido que a atual geração é nativa digital. A internet e as redes fazem parte do cotidiano dos jovens. Pesquisas apontam que mais de 90% das crianças e adolescentes no Brasil estão conectados, em sua maioria por celulares. No entanto, 20% confessa já ter tentado navegar menos, mas sem sucesso.
Por mais que a iniciativa de proibir as telas nas escolas seja louvável, é fundamental discutir e entender como é o comportamento das crianças em casa. De nada adianta o veto no ambiente escolar se a liberdade é plena em casa. Horário livre de criança não é para passar em rede social. A prática esportiva, a interação social, as brincadeiras com outras crianças, o convívio familiar, o hábito da leitura, tudo isso também é essencial na formação dos jovens. No entanto, vejo muito pouco sobre isso sendo abordado. Reiteradamente, explico aos pais em consultório a importância que eles têm nesse processo, não apenas exercendo a autoridade que lhes cabe, mas também dando o exemplo. Um filho que vê o pai o dia inteiro ao celular terá dificuldade em entender que ele também não possa fazê-lo.
São pequenos detalhes, que podem passar desapercebidos em um primeiro olhar, mas que são de suma importância se quisermos que a medida da proibição em sala de aula ganhe efetividade para além dos portões das escolas.
Fabio Barbirato é psiquiatra pela ABP/CFM e responsável pelo Setor de Psiquiatria Infantil do Serviço de Psiquiatria da Santa Casa do Rio. Como professor, dá aulas na pós-graduação em Medicina e Psicologia da PUC-Rio. É autor dos livros “A mente do seu filho” e “O menino que nunca sorriu & outras histórias”. Foi um dos apresentadores do quadro “Eu amo quem sou”, sobre bullying, no “Fantástico” (TV Globo).