Um grupo de jovens de escola de elite do Rio de Janeiro foi surpreendido pela circulação de imagens alteradas digitalmente. As “fotos” mostravam algumas alunas – todas menores de idade – nuas, em poses sensuais. A questão é que essas fotos nunca foram feitas, muito menos postadas. Um grupo de meninos da escola fez as adulterações e as lançaram em grupos de aplicativos, como WhatsApp e Discord. Não demorou muito e o assunto viralizou, extrapolando os muros da escola e ganhando implicações no mundo real.
O fato é que, cada vez mais, jovens e responsáveis, terão que conviver com o risco de fatos como este. Aplicativos de adulteração de imagens cada vez mais modernos e acessíveis faz com que não só os jovens, mas todos nós estejamos sob ameaça. O cyberbullying é muito mais cruel porque, muitas vezes, as vítimas desconhecem a identidade do agressor que as está difamando ou até mesmo a razão dos ataques. Além disso, a capacidade de viralizar é incontrolável e crescente.
É fundamental que os pais entendam que tem papel vital neste processo, conferindo o tipo de material a que os filhos tem acesso e, mais importante: o que eles compartilham. O caso atual só veio à tona porque um dos meninos que recebeu as imagens não gostou do que viu e, preocupado, mostrou para a mãe. Se isso não fosse feito, onde essas imagens já teriam chegado?
As escolas também tem enorme responsabilidade. Elas precisam acompanhar o passo do tempo em que estamos vivendo e estarem preparadas para reagir à altura da gravidade dos fatos. Se antes o bullying era resolvido de forma protocolar – quando não ignorado –, o cyberbullying corre numa velocidade muito maior, que desafia a capacidade de organização e ação das instituições de ensino.
De acordo com pesquisa conduzida pela organização sem fins lucrativos Crime Luta, em 2006, 30% dos adolescentes com idades entre 12 e 17 anos e 16% das crianças entre 6 e 11 anos tinham sofrido tom ameaçador ou coisas embaraçosas ditas online sobre eles. Quando questionados sobre o conhecimento de casos de cyberbullying ocorridos na escola, esse número sobe para 45% entre as crianças e 30% dos adolescentes. Perseguições deste tipo podem ser detonantes de transtornos mentais como depressão e ansiedade e, em casos mais graves, provocar tentativas de suicídio.
Crianças e jovens de 2023 são nativos digitais. Nasceram, cresceram e foram criados diante de algum aparelho com tela, seja celular, ipad ou computador. Esta é a forma como eles se relacionam com o mundo, namoram, se comunicam, se informam e até aprendem. Impedi-los de acessar a rede é uma luta perdida. Mas, ao mesmo tempo, a internet é uma enorme praça pública, gratuita e acessível, o que exige supervisão e atenção de pais ou responsáveis.
Fabio Barbirato é psiquiatra pela ABP/CFM e responsável pelo Setor de Psiquiatria Infantil do Serviço de Psiquiatria da Santa Casa do Rio. Como professor, dá aulas na pós-graduação em Medicina e Psicologia da PUC-Rio. É autor dos livros “A mente do seu filho” e “O menino que nunca sorriu & outras histórias”. Foi um dos apresentadores do quadro “Eu amo quem sou”, sobre bullying, no “Fantástico” (TV Globo).