O que é realidade e o que é exagero sobre ataques violentos em escolas?
Casos de São Paulo e Blumenau geraram uma onda de apreensão nos pais que embaralha preocupação com medo descabido
As últimas semanas foram de incessantes questionamentos de pais – por mensagem no celular e presencialmente em consultas –, preocupados com a integridade dos filhos nas escolas. O excesso de preocupação beirou o limite do desarrazoado. Os ataques que assistimos na mídia não são a regra, ao contrário, são a exceção. Um país de dimensões continentais como o Brasil, com discrepâncias socio-econômicas gravíssimas, é um terreno fértil para ocorrências trágicas muito mais amiúde. No entanto, felizmente, não é o que assistimos. Ocorrências como estas não são exclusividade do nosso país.
Em 20 de abril de 1999 aconteceu algo que mora no inconsciente coletivo americano como objeto de temor, assim como ataques terroristas: uma chacina de jovens, conhecido mundialmente como o Massacre de Columbine. Em 2006, tivemos algo semelhante, talvez com uma magnitude menor, mas com uma proporção enorme para nossa sociedade, principalmente a carioca: o massacre de Realengo.
Neste mesmo período, o Ambulatório de Psiquiatria da Infância e Adolescência que chefio na Santa Casa recebia a visita de um grupo de psiquiatras da Academia Americana de Psiquiatria da Infância e Adolescência (AACAP). Fazia parte da comitiva um dos psiquiatras mais importantes à época, que lidava com jovens vítimas deste tipo de acontecimentos, além de possíveis agressores. Foi uma troca muito interessante: o que era para ser uma visita e uma inspeção, virou um curso sobre o tema com um dos maiores pesquisadores do mundo, responsável pelo atendimento aos jovens de Columbine.
No atendimento aos jovens pais e professores de Realengo, conseguimos acolher, ajudar e entender melhor como funcionam estas tragédias. Uma das coisas, que aprendi é que é possível, em grande parte, evitá-las.
Além disso, uma constatação não apenas no Brasil, mas também apreendida dos profissionais americanos, é que quem ameaça previamente sobre um possível massacre, dificilmente irá concretizá-lo. O elemento surpresa é fundamental em ações covardes como os massacres.
Agora, quase 20 anos depois desta troca com os americanos, ouço de muitos pacientes sobre o pânico de ir à escola. A ideia de voltar a frequentar as salas de aula causa ansiedade e medo incontroláveis, que podem levar a ataques de pânico. Para evitar esse ponto, as crianças começam um comportamento de evitação: desde mal-estar físicos como diarreia e febre, até birra e crises de choro para não irem à escola.
Tudo isto está acontecendo porque algumas pessoas tem a ideia medíocre de “brincar” de ameaçar ataques pela internet e nas mídias sociais, uma fake news que estabelece um medo coletivo, que vai dos alunos aos pais, passando pelos professores. Para além de um gesto de mau gosto, trata-se de um desserviço em um momento em que a sociedade já se encontra fragilizada.
Ficam três lições: a primeira é a importância de se certificar a origem de qualquer informação. E em segundo lugar, os pais – e digo isso me incluindo, já que sou pai de um pré-adolescente – temos que ter calma, diante de ocorrências trágicas como estas. De certa forma, é compreensível algum nível de preocupação dos pais, claro. As imagens são chocantes e apenas a ideia de que algo possa acontecer aos seus próprios filhos é aterradora. No entanto, é fundamental que os pais – os adultos da situação – tenham maturidade para não gerarem o pânico nos filhos.
E por fim, talvez a mais importante, estar absolutamente consciente e informado a respeito de qual conteúdo os filhos consomem nas redes sociais. Não é nada além da obrigação dos responsáveis. Adolescentes, e muito menos crianças, tem direito à privacidade absoluta.
Fabio Barbirato é psiquiatra pela ABP/CFM e responsável pelo Setor de Psiquiatria Infantil do Serviço de Psiquiatria da Santa Casa do Rio. Como professor, dá aulas na pós-graduação em Medicina e Psicologia da PUC-Rio. É autor dos livros “A mente do seu filho” e “O menino que nunca sorriu & outras histórias”. Foi um dos apresentadores do quadro “Eu amo quem sou”, sobre bullying, no “Fantástico” (TV Globo).