Decreto publicado pela Prefeitura do Rio proíbe o uso de aparelhos celulares e outros aparelhos tecnológicos pelos mais de 600 mil alunos da rede municipal de ensino. A restrição é válida dentro ou fora de aulas, sempre que houver explanação de um professor.
De acordo com a recente determinação, os aparelhos só devem ser usados com fins pedagógicos, como leituras e pesquisas, e mediante autorização dos professores. A exceção cabe apenas aos alunos portadores de deficiência, que utilizem o celular como apoio para suas eventuais necessidades, ou que precisem do aparelho para monitorar a saúde.
A diretriz da Prefeitura orienta que os alunos guardem os aparelhos eletrônicos na mochila, desligado ou em modo silencioso, mesmo durante o período autorizado pelo professor. Ao corpo docente, por sua vez, cabe “advertir o aluno e/ou cercear o uso dos dispositivos eletrônicos em sala de aula, bem como acionar a equipe gestora da Unidade Escolar”, afirma o decreto.
Desde 2009, a legislação da cidade de São Paulo proíbe que alunos recebam ou façam ligações em sala de aula. No entanto, a Secretaria Municipal de Educação incentiva o uso dos eletrônicos como forma de “ampliar o conhecimento dos estudantes”, nas palavras do órgão. De acordo com a Secretaria, “as escolas possuem currículo específico para aprendizagens relacionadas às tecnologias e uso consciente das ferramentas. Na rede municipal os estudantes receberam tablets como forma de auxiliar na aprendizagem por meio do ensino híbrido”.
Recentemente, o governo da Flórida, nos Estados Unidos, aprovou uma lei exigindo que escolas públicas proibindo que alunos usassem telefone em horário de aula. Estatística do Departamento de Educação Americano, publicada em 2021, aponta que 77% das escolas proibiam uso de celular sem uso acadêmico durante horário de aula.
Há pouco tempo, a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco) divulgou um memorando em que chama atenção para os impactos negativos do uso de celulares em sala de aula na concentração dos alunos e, por consequência, na capacidade de aprendizagem deles em decorrência da distração. Segundo a Unesco, um em cada 4 países já proibiu ou restringiu o uso de telefones celulares em sala de aula. Ainda de acordo com eles, há o temor de que o uso de aparelhos aprofunde ainda mais as desigualdades educacionais em função das condições socioeconômicas, como acesso ou não à internet e aos próprios suportes eletrônicos.
Mas afinal, qual deve ser o tempo das crianças diante de telas, em plena era da inteligência artificial? A recomendação da Sociedade Brasileira de Psiquiatria é que crianças menores de dois anos não tenha qualquer consumo eletrônico; entre 2 e 5 anos, até uma hora por dia; entre 6 e 10 anos, até duas horas por dia e entre 11 e 18 anos, até 3 horas por dia. No entanto, não é isso que acontece hoje. O Brasil é o segundo país com maior tempo de tela no mundo, com 56% das horas acordadas diante de telas. No Japão, por exemplo, este percentual é de apenas 21%.
É claro que o impacto do consumo de eletrônicos pelos mais jovens tem seus lados positivos. A internet, por exemplo, pode melhorar o desempenho acadêmico dos alunos como fonte de pesquisa e informação, além de aguçar a curiosidade. Além disso, programas e abordagens baseados em telas podem encorajar o aprendizado autônomo e colaborativo, bem como aplicativos e jogos podem aumentar a proficiência e reduzir as lacunas de aprendizado. Já os videogames cooperativos ou competitivos, jogados com família ou amigos, podem refletir e funcionar como brincadeiras tradicionais, oferecendo oportunidades de desenvolvimento cognitivo e social.
No entanto, de um modo geral, o que se observa são significativos impactos negativos ao dia a dia dos mais jovens. Diversas pesquisas recentes dão conta de consequências concretas para a linguagem e cognição (prejuízo ao desenvolvimento, memória, menor capacidade de ler, menor controle inibitório, perda de pensamento analítico, de performance acadêmica e flexibilidade cognitiva), a capacidade motora e saúde física (sobrepeso, obesidade e má qualidade do sono) e mental (sintomas de depressão, ansiedade, solidão e baixa autoestima).
Assim como acontece conosco, os adultos, entre as crianças e os jovens o telefone celular também tem alta capacidade de distração, prejudicando a atenção plena: é como se, a cada alerta de notificação, o aluno perdesse algum conteúdo fora de sala. Escola é lugar de estudar, brincar, fazer amigos, interagir, enfim, exercer a sociabilidade de forma mais plena. O celular, usado com propósitos desvirtuados ao ensino, nada soma a este processo fundamental do desenvolvimento de crianças e jovens.
Fabio Barbirato é psiquiatra pela ABP/CFM e responsável pelo Setor de Psiquiatria Infantil do Serviço de Psiquiatria da Santa Casa do Rio. Como professor, dá aulas na pós-graduação em Medicina e Psicologia da PUC-Rio. É autor dos livros “A mente do seu filho” e “O menino que nunca sorriu & outras histórias”. Foi um dos apresentadores do quadro “Eu amo quem sou”, sobre bullying, no “Fantástico” (TV Globo).