A produção sul-coreana “Round 6” é a série mais assistida atualmente na Netflix, ultrapassando até mesmo “Bridgerton”. Seria mais um desses fenômenos da cultura pop, se não fosse um porém: o alto nível de violência e brutalidade travestido na linguagem narrativa de jogos infantis. “Round 6” é ambientada em um desafio mortal em que os participantes apostam as próprias vidas em troca de um prêmio bilionário.
A reação negativa foi proporcional ao sucesso. Diversos assinantes da plataforma foram às redes sociais protestar contra a quantidade de imagens violentas do programa. “Desnecessário” e “nojento” foram alguns dos adjetivos nada lisonjeiros para classificar a série.
O fato é que a violência é um fator de atração, especialmente entre jovens. Os jogos de videogames estão cheios de gente se matando, de todas as formas. Antes de “Round 6”, outros filmes e séries também se valiam do tema, com sucesso. Um dos cineastas de maior êxito do nosso tempo é Quentin Tarantino, que retrata em seus longas-metragens a violência nua e crua.
A questão é como todo esse conteúdo é consumido e assimilado pelos adolescentes e crianças. Não é raro que tais programas sejam assistidos sem a anuência ou observância dos pais. Dependendo da idade, as crianças sequer tem discernimento para entender que se trata de um programa de ficção.
O Brasil é um dos países mais violentos do mundo. De acordo com o Atlas da Violência, do Fórum de Segurança Pública, o Brasil registrou um crescimento de 35,2% no número de mortes violentas por causas indeterminadas entre 2018 e 2019. O maior aumento foi justamente no Rio de Janeiro: vergonhosos 232%. Ao todo, o país tem quase 50 mil homicídios por ano. Chacinas, mortes, assaltos, sequestros fazem parte do nosso cotidiano: estão nos telejornais da manhã, nas redes sociais, nas conversas (e preocupações) entre amigos.
Na manhã de hoje, o mundo foi surpreendido mais uma vez por um tiroteio em uma escola americana, algo que se torna cada vez mais corriqueiro, infelizmente. Por tudo isso, é questionável a necessidade de mais uma atração que estimule ou justifique atos violentos, como parece fazer “Round 6”. De todo modo, já que ela existe e viralizou, cabe aos pais, modelos que são para os filhos, ficarem atentos se eles estão assistindo a série, contextualizando e explicando que a violência não é a regra e nem o modus operandi de uma sociedade saudável.
Fabio Barbirato é psiquiatra pela ABP/CFM e responsável pelo Setor de Psiquiatria Infantil do Serviço de Psiquiatria da Santa Casa do Rio. Como professor, dá aulas na pós-graduação em Medicina e Psicologia da PUC-Rio. É autor dos livros “A mente do seu filho” e “O menino que nunca sorriu & outras histórias”. Foi um dos apresentadores do quadro “Eu amo quem sou”, sobre bullying, no “Fantástico” (TV Globo).