O documentarista Johnny (Joaquin Phoenix) trabalha colhendo depoimentos de crianças de diversas cidades do Estados Unidos sobre o que elas pensam a respeito dos adultos, do mundo, e suas expectativas a respeito do futuro. Diante de uma urgência de sua irmã, ele se oferece para tomar conta do sobrinho que mal conhece, o pequeno Jesse (Woody Norman). O convívio forçado dos dois provoca um intenso mergulho de Johnny na própria vida por meio do espelhamento com o sobrinho. A princípio dois estranhos, acabam por se tornar grandes parceiros. Essa é a trama do filme “Sempre em frente”, em cartaz no Rio e apontado como um dos maiores injustiçados do Oscar, tendo em vista a qualidade do filme.
Para além das muitas camadas de leitura que “Sempre em frente” suscita, uma provocação é especialmente interessante: o documentarista que vive de ouvir crianças abre a própria escuta para o sobrinho. Este me parece o ponto mais relevante para os espectadores levarem para casa depois do filme: mais do que apenas ouvi-las, estamos escutando nossas crianças?
Depois de viver o insano Coringa, Joaquin Phoenix mostra toda a sua versatilidade em uma atuação brilhante. A falta de experiência em lidar com crianças fora do ambiente de trabalho faz com que ele se permita sensibilizar-se pelo sobrinho. E este, por sua vez, tem uma trajetória de amadurecimento a partir do contato com o tio. O filme mostra a responsabilidade de educar as crianças ouvindo-as e respeitando-as.
Nos últimos tempos, os pais foram estimulados a se posicionarem como “colegas” dos filhos. Pai e mãe não são colegas. Os filhos lhes devem obediência e respeito. Isso não impede – ao contrário – que sejam amigos. Nessa lógica, muitos pais se perderam na permissividade achando que dizer “não” ao filho seria traumático
demais. Pois afirmo: dizer “não” é parte fundamental da educação. Prepara as crianças e adolescentes para a vida, para o mundo, que na maioria das vezes não estará de braços abertos para recebê-los. No anseio de diminuir o sofrimento dos filhos, muitos pais pararam de escuta-los com profundidade. É esse o resgate que o belo filme “Sempre em frente” propõe.
É abrindo o canal de entendimento com as crianças e adolescentes que nosso trabalho na psiquiatria infantil se torna possível. Questionários formais são importantes, mas diagnósticos se constituem a partir da escuta sensível e da observação profissional dos menores. Não é um exame de sangue ou de imagem que dá o veredito sobre a saúde mental de uma pessoa. Ouvir uma criança ou um adolescente e valorizar o que ele diz é fundamental, dentro e fora de casa, para um diagnóstico preciso.
Fabio Barbirato é psiquiatra pela ABP/CFM e responsável pelo Setor de Psiquiatria Infantil do Serviço de Psiquiatria da Santa Casa do Rio. Como professor, dá aulas na Pós Graduação em Medicina e Psicologia da PUC-Rio. É autor dos livros “A mente do seu filho” e “O menino que nunca sorriu & outras histórias”. Foi um dos apresentadores do quadro “Eu amo quem sou”, sobre bullying, no “Fantástico” (TV Globo).