Nunca pareceu uma crise solucionada, longe disso. Mas o anúncio da vacina e algumas liberações às restrições impostas ao dia a dia e os índices decrescentes de contaminação nos deram a falsa sensação que caminhávamos, há alguns meses, para a retomada de algo próximo à normalidade. Lego engano. Assim como prenunciou a ciência, a nova onda de Covid-19 viria ainda maior. Dito e feito. O número de contaminados no Brasil explodiu, passamos de 3 mil mortes por dia e o sistema hospitalar colapsou, com falta de equipamentos e uma longa fila à espera de internação. Nos vimos, mais uma vez, obrigados a ficar em casa.
Se retornar às restrições não é fácil para nós, adultos, imagine para as crianças, tão afeitas ao sentimento de liberdade? Pelo segundo ano consecutivo, muitas estão sem festa de aniversário. Centenas de adolescentes concluíram o Ensino Médio, rito tão simbólico nesta idade, sem festa de formatura. As aulas nas faculdades, período fundador na vida de um jovem, estão acontecendo online há um ano. A sociabilidade das crianças desenvolvida em clubes, escolinhas de dança, de futebol ou mesmo em sala de aula foi, em alguma medida, atingida. O que pode soar fútil para alguns é agonia concreta para outros, conforme ouvimos de pais e mães no consultório.
O fato é que por determinação das autoridades, estamos mais uma vez recolhidos em casa. Trata-se de um desafio para todos, inclusive as crianças. Obrigadas a aderirem ao uso de máscaras e às aulas pela internet, elas também são personagens dessa nova realidade a que estamos submetidos. E não duvide: as crianças são muito mais inteligentes e sensíveis ao ambiente do que geralmente supõem os adultos. Elas entendem e percebem tudo. Com a pandemia não seria diferente.
As crianças sabem que não estamos vivendo na normalidade. Portanto, aos pais cabe poupá-las de informações que causem ainda mais angústia para além daquelas a que já estão submetidas. O velho hábito da TV ligada na sala deve ser evitado. O noticiário sublinha a dramaticidade do nosso momento e em nada acrescenta aos pequenos. Valorize as refeições à mesa, com todos da família. Este é o melhor momento para você entender o que está se passando na cabeça do seu filho. Evite que a criança passe horas a fio no computador, tablet ou no vídeo game. Sabemos o quanto os gadgets podem entretê-los – e liberar os pais para outras atividades, porque ninguém é de ferro – mas o preço para horas a fio em atividades online pode ser alto: de falta de concentração à negligência com os estudos.
Se as crianças trouxerem dúvidas ou inseguranças sobre a pandemia, ouça, acolha e a acalme. Reforce a ideia de que esta é uma crise com final já definido: a vacinação em massa. E ela ocorrerá, em breve. Se a situação persistir, procure um especialista para orientá-lo.
Fabio Barbirato é psiquiatra pela ABP/CFM e responsável pelo Setor de Psiquiatria Infantil do Serviço de Psiquiatria da Santa Casa do Rio. Como professor, dá aulas na Pós Graduação em Medicina e Psicologia da PUC-Rio. É autor dos livros “A mente do seu filho” e “O menino que nunca sorriu & outras histórias”. Foi um dos apresentadores do quadro “Eu amo quem sou”, sobre bullying, no “Fantástico” (TV Globo).