Bastou a DC Comics, empresa que publica os desenhos do Superman, anunciar que na próxima edição da série o personagem terá um envolvimento amoroso com outro homem para que a repercussão fosse automática (e barulhenta!). Vamos por partes. O susto se explica, parcialmente, porque há gerações e gerações que cresceram com outra referência de Super-Homem, a tradução do herói inquestionavelmente masculino – embora às vezes pudesse soar hesitante e frágil em sua versão Clark Kent. Essa também é uma visão apressada dos fatos: o mesmo homem pode ser heroico, másculo, hesitante e frágil – e hetero ou homossexual. É justamente o que a DC Comics quer mostrar.
Mas a polêmica é útil para trazer uma discussão maior: a importância de crianças e jovens se verem representados na tela. A bem da verdade, essa é uma preocupação recente dos criadores e artistas. Por muitos anos, não houve a preocupação da representatividade de minorias em diversos segmentos, do jornalismo às novelas, passando pela publicidade e cinema.
Alguns exemplos recentes, no entanto, deixaram claro a importância que esse movimento tem na autoafirmação e autoestima de grupos até então invisíveis para a grande mídia. O filme “Pantera Negra”, gigantesco sucesso da Marvel, homenageia a diversidade cultural dos povos africanos e reafirma sua luta por direitos como nunca vimos antes nas telas. Resultado: empatia com grande parte da audiência e mais de um bilhão de dólares arrecadados em ingressos.
A televisão brasileira também acordou para essa direção. Nunca tivemos tantos atores negros no ar, com papeis de relevância. Na esteira da apresentadora Gloria Maria, precursora da presença negra no telejornalismo, com seu carisma inigualável, hoje podemos ter a jornalista Maju Coutinho, que irá apresentar o “Fantástico”, um dos programas mais importantes da emissora. Assim como Gloria Maria foi uma referência para Maju, é fácil imaginar o impacto que mais negros na televisão causa na autoimagem, na confiança e nos sonhos de milhões de crianças negras espalhadas pelo Brasil.
Nesse movimento, outros grupos passaram a ser incluídos. O grande desenhista Maurício de Souza, responsável pela alegria da infância de milhões de crianças há décadas, criou uma série de novos personagens que atendem esse momento histórico que clama por mais representatividade: Luca (cadeirante amante de esportes, principalmente o basquete), Tati (a coleguinha com Síndrome de Down), Dorinha (a deficiente visual) e André (autista) foram incorporados aos personagens antigos da Turma da Mônica (além de Milena, nova personagem negra, defensora dos animais).
Um beijo entre dois homens, se é consentido por ambos, não deve ser da conta de mais ninguém. Ao propor que o Superman beije outro homem, algo absolutamente normal e aceito em sociedades civilizadas, a DC Comics desafia os adultos a olharem para os outros, com mais empatia, e para dentro, em busca de entendimento de onde residem seus próprios preconceitos.
Fabio Barbirato é psiquiatra pela ABP/CFM e responsável pelo Setor de Psiquiatria Infantil do Serviço de Psiquiatria da Santa Casa do Rio. Como professor, dá aulas na pós-graduação em Medicina e Psicologia da PUC-Rio. É autor dos livros “A mente do seu filho” e “O menino que nunca sorriu & outras histórias”. Foi um dos apresentadores do quadro “Eu amo quem sou”, sobre bullying, no “Fantástico” (TV Globo).