Arte socialmente engajada
De que maneiras a arte pode atuar como ferramenta de engajamento social, provocando ações participativas de educação e transformação?
A coluna desse mês formula questões e traz reflexões de grande relevância acerca da arte como ferramenta de engajamento social para a construção de um futuro mais sustentável e colaborativo. Que práticas podem ser eficazes na criação de uma sociedade mais diversa e inclusiva? De que maneiras a arte pode atuar, provocando ações participativas de educação e transformação social?
Sobre o tema, conversei com artistas e curadores que nos provocam a pensar coletivamente. De que forma você, leitor/leitora, pode contribuir ativamente no seu entorno?
De acordo com a artista visual indígena Sallisa Rosa, toda a sociedade deve estar engajada com práticas de transformação social, não apenas os artistas: “Mas acredito também que agora, no presente, é tempo de revisar esses padrões que sustentam estruturas ultrapassadas e redesenhar o mundo com a arte. Tem muitos artistas trabalhando suas práticas como cura e com modos de criação coletiva. Num sentido amplo, essas artes impactam muitas pessoas”, afirma. “Tem uma ressonância que começa na imaginação e impacta na realidade”.
O curador Ulisses Carrilho avalia que essas práticas coletivas de atuação e revisão, que estimulam o engajamento, não são uma tendência efêmera ou passageira: “Prefiro entender e confiar que trata-se de uma reavaliação de como os profissionais da cultura e da gestão institucional podem, coletivamente, experimentar outros objetivos especulativos e propositivos para o campo artístico”.
E problematiza o seu reverso: “Haveria possibilidade de um sujeito, num mundo cada vez mais acelerado e fugaz, produzir algum tipo de arte que não fosse um engajamento da ordem do social?”
Para o artista visual Gustavo Von Ha, um bom trabalho de arte já reúne em si mesmo questões sociais, políticas, críticas, formais e conceituais, não precisa de um sentido literal. “A contribuição mais eficaz que a arte pode gerar é o despertar político, pois tudo o que se insere no âmbito coletivo é política pura. Houve uma atualização nesse sentido de uns anos pra cá com o avanço das redes sociais, que impulsionaram de forma mais linear toda e qualquer produção artística. Isso é bom porque exige uma reflexão do próprio sistema artístico”.
A curadora Camilla Rocha Campos defende que arte é não só engajamento social, mas histórico e ético: “Arte é aprender, desaprender e reaprender desde o sensível, como se navega pelo mundo. É a partir dessa premissa que uma pintura abstrata pode trazer tanto engajamento social quanto um seminário aberto ao público, dentro de um museu, sobre arte ativista. Em ambos os exemplos é possível apresentar intensidades e gestos que orientam modos de olhar para a realidade, de forma a construir pensamento e ação alinhados com a vida”, reflete. “É importante pensar na não separabilidade da arte com o campo de seu saber social, cultural e político. Entender isso elimina a irresponsabilidade de práticas que não se intitulam políticas, mas querem agenciar desejos coletivos ou manipular valores simbólicos”.
Em consonância com Camilla, o artista maranhense Thiago Martins de Mello acredita que a verdadeira inclusão a partir da arte não pode ter como bengala o mercado e classes dominantes: “Para que isso ocorra é necessária uma educação crítica e libertadora, do contrário, teremos marionetes disseminadoras de valores seletivos das classes dominantes, esbanjando o signo do opressor como objetivo máximo. Isto é, o direito de ostentar e oprimir como sinônimo de vitória. Quando uma grife famosa dá um banho de loja em um artista e o faz pintar valores que não são os seus e ter sua imagem usada como símbolo de uma ‘diversidade’ controlada, isso não é inclusão mas sim a continuidade da velha ordem”.
Carrilho acredita que, nas últimas décadas, a arte contemporânea tem encontrado várias das questões mais urgentes dos movimentos sociais: “Junto às coletividades experimentadas em ateliês ao longo da história da arte, os grupos da arte moderna, os coletivos de arte pública e a virada educacional, percebo com entusiasmo que artistas têm experimentado outras vozes, outras autorias. Em certo compasso, ao largo das normas do mercado, autorias menos individuais têm sido experimentadas numa franca relação com os ativismos e formas alternativas de organização política. As instituições carregam setores educativos que, de maneira contundente, têm ganhado força na reivindicação de relações de trabalho mais justas e dinâmicas de poder mais distribuídas — um exemplo cotidiano e contundente desse engajamento social”, analisa o curador.
Nesse sentido, considero que temos aí um ponto de impacto social e coletivo absolutamente determinante: o educativo das instituições culturais. Programas que investem na perspectiva social da arte, tendo como objetivo não somente a convocação de públicos, mas a construção de saberes em parceria direta com as mais diversas comunidades, tecendo aproximações com o cotidiano das pessoas envolvidas é, na minha opinião, o caminho mais efetivo de transformação social a partir da arte.