(Por Keyna Eleison e Pablo Lafuente)
Frequentemente entendemos a arte e a cultura como uma sequência de nomes, de figuras que, com suas criações individuais, seu gênio e sua determinação, fazem o trem da cultura avançar. Contamos a história da arte, do cinema, da música ou do teatro como uma narrativa articulada em torno desses protagonistas, frequentemente homens, os quais consideramos agentes responsáveis pela criação de novas imagens, a invenção de linguagens, o aperfeiçoamento dos modos de expressão.
E na construção dessa narrativa, ao focar no reconhecimento e reverência que esses nomes reclamam, esquecemos que todo processo de criação é um processo complexo e diverso, caracterizado pela construção coletiva e o diálogo: com o contexto, com os estímulos e ideias que encontramos em nossos entornos mais próximos ou na distância. Com nossas expectativas e desejos e aquelas dos que nos rodeiam. Com as pessoas que criaram no passado e as que criam ao mesmo tempo que nós; ou com aquelas que talvez criarão depois, no futuro.
Com essa convicção, com o objetivo de simbolizar que a cultura é uma construção coletiva, e ao mesmo tempo garantir um espaço de conversa permanente, decidimos apresentar uma candidatura conjunta à Direção Artística do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. A chamada aberta internacional, iniciada em maio deste ano, procurava um profissional das Artes para liderar o programa artístico de um dos museus mais importantes da América Latina, com uma história de experimentação e criação exemplar.
Para nós dois, colegas e amigos que há tempo desenvolvemos uma troca baseada em afinidades profissionais e vitais, a resposta foi imediata, intuitiva: a visão artística do museu deveria ser construída por meio da negociação de olhares. Só tomando múltiplos pontos para seguir em uma partida seria possível responder às perspectivas e posições das diferentes equipes e pessoas trabalhando no museu, das eventuais colaborações convidadas, e dos potenciais públicos e interlocutores.
E, sabemos que mesmo diversos, não damos conta; partimos das nossas possibilidades para expansão de limites. Em base a essa construção coletiva, o museu poderia aspirar a estar mais próximo e apresentar de formas mais plurais as distintas representações de nosso território, que nos cerca de perto e de longe, além de montar mais partilhas e desmontar respostas antigas dadas à complexidade do mundo que nos rodeia.
Depois de um processo de seleção de quase quatro meses, os três comitês responsáveis escolheram nossa proposta, e nos encontramos agora com a tarefa de a fazer efetiva. Estamos cientes de que essa tarefa não é simples. Que a procura de heróis, protagonistas ou salvadores é um hábito para a maioria de nós. Que escutar é uma tarefa difícil, que deve ser recíproca e que demanda calma, abertura e atenção, atitudes às quais, como sociedade, não estamos acostumados. Mas também estamos convencidos que essas ações atentas são possíveis e, quando adotadas, têm efeitos imediatos.
Escrevemos esse texto um dia depois da reabertura do MAM, cinco meses após o fechamento das portas devido à chegada de uma pandemia que resiste a nos deixar. Assistir às pessoas entrando no museu, ver os olhares se cruzando e ouvir as conversas ocupando as salas de exposições, tudo isso acompanhado duma nova consciência dos cuidados que são necessários para estarmos juntos, nos encheu de esperança. Foi para nós uma experiência do futuro, uma imagem do que é possível construir, juntos. No museu e além, na cidade e no mundo. Pudemos sonhar por meses o que vamos praticar agora, juntos, e com muito mais além de nós.