Ao acessar o site da Rede NAMI, o visitante recebe informações acerca das estatísticas nacionais sobre a violência contra a mulher, chanceladas por entidades como o Fórum Brasileiro de Segurança Pública e o Instituto Sou da Paz. Você sabia que, durante a pandemia, a cada 24h, quatro mulheres foram mortas no Brasil? E que 70% das vítimas de agressão com armas de fogo, em 2019, eram mulheres negras?
Fundada em 2010 pela artista visual e ativista carioca Panmela Castro, a Rede NAMI é uma organização sem fins lucrativos, feita por e para mulheres, que se manifesta pelo fim da violência de gênero através da promoção dos direitos humanos. Tendo a arte como dispositivo de conscientização e fortalecimento, o projeto fomenta o protagonismo de mulheres negras por meio de práticas antirracistas e decoloniais.
A trajetória artística de Panmela Castro é indissociável de seu ativismo político e a NAMI parte de sua história pessoal, no subúrbio do Rio: em 2004, ela foi espancada por seu ex-companheiro e mantida em cárcere privado durante uma semana. Embora tenha prestado queixa na Delegacia da Mulher, o assédio permaneceu ostensivo e não houve punição para o agressor. A rede de proteção pra seguir em frente foi encontrada junto a grafiteiros, que atuam sempre em bandos tendo o território urbano como suporte.
Esta aproximação fez com que Panmela desenvolvesse, em 2008, uma metodologia que tem no grafite a ferramenta central de transformação social. Em 2010, ela fundou a Rede NAMI com o objetivo de informar sobre os tipos de violência contra a mulher, com base na Lei Maria da Penha sancionada em 2006 (que, aliás, completa 16 anos em nesse mês de agosto).
De lá pra cá, a iniciativa com sede na comunidade Tavares Bastos, no bairro do Catete, impactou diretamente mais de 10.000 pessoas. Implementando programas de conscientização, organizando exposições e murais públicos, e financiando a produção de obras de arte a partir de um pensamento decolonial, a Rede NAMI promove mudanças estruturais efetivas na sociedade.
Um exemplo disso é a atual Secretária municipal de Políticas de Promoção da Mulher, Joyce Trindade, que teve sua primeira formação em direitos humanos no projeto Afrografiteiras, em 2006, na NAMI.
“Com inspiração na trajetória da Joyce, vamos abrir, no ano que vem, nosso primeiro curso formação: um curso de arte e direitos humanos, que prevê a representação de grupos sociais LGBTQIAP+. A ideia é formarmos pessoas que estejam aptas a furar as bolhas, ocupando os espaços de poder e colaborando efetivamente com o processo de transformação social”, diz a artista visual e ativista, que começou a estudar arte aos 9 anos em cursos livres na periferia do Rio e chegou à Escola de Belas Artes da UFRJ.
De acordo com Panmela, a demanda de candidatas às oficinas da Rede NAMI, por onde já passaram pessoas que ganharam projeção na cena artística nacional, é enorme: “O projeto chega a receber mais de 700 inscrições para cada curso com cerca de 60 vagas”.
Uma das “crias” da iniciativa é Priscila Rooxo, 21, nascida em São João de Meriti, na Baixada Fluminense, e moradora de Mesquita: “A importância da Rede Nami na minha vida é de base, foi um eixo fundamental. Por conta do canal de acolhimento e de conscientização que o projeto nos oferece, eu quebrei a estatística de engravidar na adolescência e de parar de estudar, como boa parte das minhas amigas”, conta Priscila, que chegou à NAMI aos 13 anos, inicialmente participando das oficinas de grafite e, mais tarde, se tornando professora e produtora da Rede.
“A Panmela ocupou um lugar de mãe na minha vida, me botou pra trabalhar diretamente com ela e essa fonte de renda foi determinante pra subsistência minha família. Ela também me ajudou a pensar minha carreira, foi quem me orientou a falar da minha vivência pessoal na minha pintura e do meu dia a dia na periferia. A Panmela me incentiva muito, contribui ativamente na projeção da minha carreira artística e me dá oportunidades que têm sido fundamentais, como foi o caso da minha exposição na ArtSampa, no estande da NAMI”, reconhece Rooxo que, a convite do curador Adriano Pedrosa, integra a coletiva Histórias Brasileiras, a ser inaugura agora em agosto, no MASP. Com o apoio da Rede NAMI, seu trabalho recebeu acompanhamento teórico da curadora Carolina Laureano e hoje compõe acervos de grandes colecionadores.
Panmela se tornou uma liderança de projeção internacional na promoção dos direitos da mulher. Seu foco atualmente se concentra na formação de novas multiplicadoras e no acolhimento a outras mulheres: “A NAMI realiza um trabalho de base, buscando estimular as potencialidades de grupos marginalizados pela sociedade em diversos âmbitos. Sob perspectivas decoloniais, reescrevemos uma história que inclua mulheres, pessoas LGBTQIAP+, artistas negros, indígenas e pessoas com deficiência, promovendo seus direitos através da arte”, afirma.
Projetos como o Museu Vivo NAMI – circuito de 1km de murais a céu aberto, criado em 2013, na Tavares Bastos, que exibe a produção de grupos à margem da cena tradicional da arte, incluindo pessoas de todo o Brasil e do exterior – e o curso Hackeando o poder (que inclui a criação de um manual com táticas de guerrilhas para artistas do Sul global), chamaram a atenção de personalidades e entidades de diversas partes do mundo.
De fato, a atuação da Rede NAMI já acumula premiações e reconhecimentos que expressam a sua relevância: a iniciativa foi homenageada pela 12ª Bienal da UNE (2021) e premiada pelo The We Empower UN SDG Challenge /Vital Voices (2021). Foi finalista do Prêmio Atitude Carioca, na categoria “Quem faz diferente” (2021), e indicada para o 3º Prêmio seLecT de Arte e Educação (2020). Panmela chegou a ser laureada com o Vital Voices Global Leadership Awards, prêmio organizado por Hillary Clinton.
O engajamento alcançado pelo trabalho dela – que em 2012 entrou para o rol das “150 mulheres que abalaram o mundo”, segundo a revista norte-americana Newsweek – conquistou o apoio de artistas como Adriana Varejão, Jaime Lauriano e Marcela Cantuária. Em 2018, a NAMI recebeu a visita da ativista paquistanesa Malala Yousafzai, Prêmio Nobel da Paz.
Hoje representada pela galeria Luisa Strina, uma das mais importantes do mercado de arte de São Paulo, Panmela Castro constrói a sua poética a partir de diferentes linguagens, como a pintura, o grafite, performances e vídeos. Sua obra já foi exibida nos Estados Unidos, Canadá, França, Alemanha e Israel.
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