Foi na rodoviária Novo Rio, no último domingo enquanto esperava o ônibus que me levaria pra Volta Redonda. Quando saí de casa ainda era madrugada e, sonâmbula, tropecei no jornal que estava no tapete em frente à porta. Já sentada em um daqueles bancos frios típicos das rodoviárias e aeroportos, abri a Revista ELA/O Globo exatamente na página da crônica semanal da escritora gaúcha Martha Medeiros.
As músicas inofensivas e as dilacerantes. Este era o título da crônica cujo primeiro parágrafo me fez achar que aquele texto tinha sido escrito por mim – se eu escrevesse bem como a Martha, óbvio!
“É difícil escrever sobre música. Palavras sempre ficam aquém da intensidade do som. Canções são obras eróticas, as letras seduzem, o ritmo excita. Música é um afrodisíaco universal.” Estas são as primeiras frases da crônica – gênero literário cheio de sutilezas – de Martha, esta gênia da escrita que produz em mim muitos sorrisos involuntários e “enquanto eu sorria assim eu ia” e indo sou facilmente capturada por suas palavras.
Mas não é sobre crônica que eu quero falar e sim sobre música. Sobre a dificuldade de se escrever sobre música. Mesmo esta sendo uma coluna semanal sobre música. Talvez por esta ser uma coluna semanal sobre música, eu me sensibilize com Martha. Realmente é muito difícil escrever sobre música porque ela é o segmento artístico que mais conecta as pessoas no mundo.
Eu gosto de todo tipo de música. Das inofensivas e das dilacerantes. Embora entenda que só as dilacerantes podem dar conta das nossas dores existenciais. Mas quando a dor transborda, nada melhor do que dançar ao som das inofensivas até que nossos sapatos peçam pra parar (e aí a gente tira o sapato e dança o resto da vida – viva Chacal!).
Música é bom pra tudo. Combina com tudo. Não há romance sem música e ninguém vive o término de uma grande paixão sem ser embalado por uma boa trilha sonora no estilo drama queen. Não há filme sem música. Até há, mas são entediantes. Não há sexo sem música porque respiração ofegante também é som. A cerveja gelada desce mais redonda ao som de um bom pagode. Já Baco prefere ser lembrado junto dos acordes jazzísticos, eu acho.
Música invade sem pedir licença. Música nos faz lembrar daquilo que queremos esquecer. Música nos faz lembrar daquele que juramos já ter esquecido. Ela atravessa. Arrebata. Música é memória afetiva. É afeto sonoro. Latente. Música é gerúndio. E gerúndio continua. Gerúndio não termina a ação. Os gerúndios e as músicas seguem existindo porque são donos do tempo. E são também atemporais.
Martha, assim como você, eu também “quero que a música me tonteie com sua crueza e me arrebate com sua poesia”. A Música, essa entidade quase onipresente, é tão generosa que até – ou inclusive – nas minhas egotrips, ela me lembra que “não existiria som se não houvesse o silêncio” (Lenine). E nos dias de hoje escutar o silêncio é sagrado como o pão de cada dia.
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#ficaadica: a partir do próximo dia 7 de junho, o FARO vai ganhar mais espaço na programação da rádio carioca SulAmérica Paradiso. Além das transmissões aos domingos das 22h à meia noite, O FARO passa a ir ao ar todas as quintas, das 20h30 às 21h.
Para a estreia do novo dia e horário, vou receber nos estúdios da rádio o músico Chico Brown. Na quinta seguinte, 14 de junho, dia do início da Copa do Mundo da Rússia, receberei a jornalista e apresentadora da TV Globo, Cristiane Dias.