Como um movimento nasce? Como uma cena artística se desenvolve? O que um novo cenário musical representa na cartografia de uma cidade? Não tenho respostas pra estas perguntas mas posso garantir que pra uma cena artística se desenvolver é preciso encontros, sinergia, partilhas, múltiplos talentos e, pasme, investimento público e/ou privado.
A cidade do Rio de Janeiro já foi considerada a Capital Cultural do Brasil e é frustrante saber que deixamos este “nobre título” nos escapar graças a falta de investimento e ao saqueamento dos cofres públicos por parte dos nossos governantes. Porém, ao contrário do que se convencionou muito recentemente no país, “Capital Cultural” não se limita a um local (ou cidade) onde há maior consumo, mercado e circulação de bens culturais. “Capitais Culturais” são essencialmente locais que se destacam pela relevância de sua produção cultural e também pelo seu patrimônio cultural. Quanto mais capitais culturais tivermos espalhadas por todo território nacional, mais desenvolvido seremos. Ou alguém ainda duvida que só com o desenvolvimento de políticas públicas culturais garantiremos o melhor ambiente possível com liberdade de expressão, apoio amplo, financiamento e incentivo à produção cultural e artística do Brasil para ampliar o acesso ao ponto de termos, de fato, um país democratizado culturalmente??
Passei o final de semana no Ceará a convite do Dragão do Mar, um extraordinário centro de arte e cultura localizado no coração de Fortaleza que fomenta – como poucos espaços no Brasil – a cultura local. Há quatro anos, estive pela primeira vez ao Dragão para participar da banca do Laboratório de Música do Porto Iracema das Artes e selecionamos, naquele ano, para cursar a Escola de Formação e Criação do Ceará os músicos Soledad (foto em destaque) e Caio Castelo – jovens artistas já reconhecidos por seus talentos musicais em várias cidades do Brasil. Desta vez, a convite das produtoras culturais Heloisa Aidar e Priscila Mello, fui conhecer o Festival Maloca e ainda estou procurando as palavras pra descrever a efervescência da nova cena musical cearense.
Podia tentar narrar esta experiência sonora sob uma perspectiva artística temporal ou de gênero. Cartesianamente, valeria explicá-la a partir da constatação que um amplo fomento público e privado constrói, de fato, uma cena. Talvez sendo menos utópica, tentaria explicar o que vi e vivi no último fim de semana sob o ponto de vista do mercado fonográfico. Mas as paisagens sonoras da cena musical do Ceará são tão diversas que prefiro listar TRÊS artistas cujos sons/shows não pararam ainda de pulsar nem de reverberar aplausos e dissonâncias dentro de mim:
Getúlio Abelha: o artista não passa batido na festinha, como diria Letícia Novaes.
Selvagem a Procura da Lei: a banda mais bem sucedida – sob a perspectiva de público – do Ceará me fez lembrar da época que Los Hermanos se apresentavam no Rio e já no primeiro acorde de cada música não se ouvia nada além da multidão entoando seus versos.
Daniel Groove: radicado em São Paulo, o artista cearense transita pelo brega, rock e pela MPB. Com quase duas décadas de carreira, carrega na bagagem dois álbuns solos bastante elogiados pela crítica, vários shows pelo país entre eles, um no Lollapalooza.
Os três artistas acima têm em comum a origem. No resto, são completamente diferentes. A nova cena musical cearense é rica e diversa. Desejo vida longa ao Dragão do Mar!! E espero que o centro cultural sirva de exemplo pro restante do país porque ele é a prova que dar a cultura a importância que ela merece – e não só do ponto de vista do discurso, mas, sobretudo, do ponto de vista da administração efetiva, com recursos justos, gente preparada e formação adequada – pode mudar o rumo de uma nação.