Há quase dois anos estou numa doce ponte aérea transatlântica entre Rio e Lisboa por causa de um mestrado. Sou filha do privilégio e sei que, no Brasil, esta oportunidade é pra poucos. Mas não me faço de rogada e aproveito ao máximo cada minuto que passo na terrinha. Na escola (ou na faculdade), já havia lido sobre a importância da Revolução dos Cravos mas só morando em Lisboa tive a completa dimensão do que ela representa pro povo português.
Desde então, sempre que amanhece no dia 25 de abril me lembro da força e da beleza de toda revolução. Aquele amanhecer histórico no ano de 1974 fez nascer um país novo. Naquele dia, os portugueses dariam fim a quatro décadas de ditadura e há 44 anos chamam o 25 de abril de Dia da Liberdade.
O fato interessante é que o levante popular português se deu quando a canção Grândola, Vila Morena, de José Afonso, proibida até então pelo regime ditatorial de Salazar, começou a tocar no rádio. Numa comparação duvidosa, José Afonso seria uma espécie de Geraldo Vandré.
Os versos “Grândola, vila morena / Terra da fraternidade / O povo é que mais ordena / Dentro de ti, ó cidade” deram início à revolução mais importante de Portugal. Na madrugada de 25 de abril de 1974, os portugueses estavam à espera de dois sinais para iniciar a insurreição contra o poder estabelecido. Os sinais vieram, nem tão disfarçados assim, através da execução de duas canções no rádio. A primeira tocou na Rádio Emissores Associados e a segunda na Rádio Renascença. A canção de José Afonso tornou-se icônica já que foi logo após sua execução que os manifestantes contrários a ditadura – a esta altura, quase todos os portugueses – começaram a ocupar os pontos estratégicos do país e nas horas seguintes, a ditadura desmoronou.
Um amigo português contou-me esta história logo que soube que eu trabalhava em rádio e desde então sou fascinada pela Revolução dos Cravos. Penso que o poder do rádio, da música e do povo ainda podem salvar o Brasil e restabelecer a democracia plena.
Sou da turma dos revolucionários embora na maior parte das vezes eu seja apenas uma ativista de sofá. Viva os portugueses!