A nova versão de Perdidos no Espaço, recém-lançada na Netflix, confirma a regra: há algo de podre no reino da masculinidade.
Nos três primeiros capítulos, John Robinson é um pai ausente, em crise matrimonial, incapaz de estabelecer uma relação de afeto com os filhos, e assiste, de longe, ao pequeno Will ensinar beisebol ao robô alienígena que lhe roubou o posto de pai. Sua mulher, Maureen, brilhante engenheira espacial, trata o marido como um ser dispensável e comanda a família com autossuficiência exemplar.
Num planeta distante, entre mudo e deprimido, John convive com a mágoa da esposa por ter acumulado as funções de mãe e profissional. Ali, ele se dá conta de que o empenho como oficial do governo para salvar a humanidade da extinção o afastou daqueles que ama e deseja.
O curioso é que o ator Toby Stephens, que encarna o pai arrependido em Perdidos no Espaço, protagonizou Black Sails, série sobre a pirataria que infestou o Caribe no século XVIII. O enredo mistura personagens fictícios — baseados em A Ilha do Tesouro, de Robert Louis Stevenson — com corsários reais, como o Barba Negra e John Rackham, o criador da bandeira de caveira e ossos cruzados.
Ex-comandante banido da Marinha, o temido Capitão Flint (Stephens) toca o terror nos mares, mas tem um segredo inconfessável: a paixão por um nobre inglês com tendências humanitárias, deserdado pelo pai poderoso devido às suas ideias progressistas e às tendências homossexuais.
Depois de enterrar o tesouro que move a trama do maravilhoso romance de Stevenson, Flint abandona o leme, reencontra o grande amor e tudo culmina num romântico beijo final.
Nem nos delírios mais criativos, o autor de A Ilha do Tesouro imaginaria um passado semelhante para seu personagem. O puritanismo vitoriano não permitiria tamanha liberdade. Ela é fruto das questões de gênero e do new feminismo do milênio atual.
A primeira temporada mais parece um mezzo pornô pirata de baixo orçamento, mas a série ganha em requinte e recursos nas fases seguintes. Acompanhei com surpresa e interesse os conflitos de Flint em Black Sails, mas não posso dizer o mesmo das idas e voltas de outra produção: Outlander.
Uma enfermeira da II Guerra Mundial desperta na Escócia de 1743, onde enfrenta o machismo desabrido dos chefes dos clãs e da ocupação inglesa. Claire cura infecções, amputa membros, é acusada de bruxaria, até se casar com o jovem escocês Jamie Fraser.
Além de lindo, heroico, guerreiro e apaixonado, Fraser é virgem! Claire ensina ao marido os segredos para satisfazer uma mulher na cama, e tudo seria incrível, não fosse o trauma enfrentado pelo rapaz nos dois capítulos finais.
Preso numa masmorra, Fraser é lambido, enrabado, pregado, seviciado e drogado, até ceder às volúpias do arquivilão Randall, numa cena digna do Marquês de Sade. A longa, violenta e libidinosa tortura torna e retorna em flashbacks intermináveis. Mesmo depois de salvo, é impossível não sentir pena, ou deixar de ver no herói um coitado.
Menos, gente, menos. Desse jeito não vai ter mais volta.