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Fernanda Torres

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Antídoto

Leia na crônica de Fernanda Torres

Por Fernanda Torres
Atualizado em 17 jun 2017, 10h00 - Publicado em 17 jun 2017, 10h00
 (Isabelle Barreto/Veja Rio)
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Descobri, em Belo Horizonte, que Paulinho da Viola existia. Meus pais estavam em temporada de teatro na cidade e eu, criança, zanzava pelo hotel com duas atrizes da companhia, fãs do príncipe.

Estávamos as três no exíguo espaço do elevador, as moças subiam alvoroçadas, pois sabiam que Paulinho também estava hospedado ali. Foi quando a porta se abriu e aquele homem lindo, educado, entrou. Elas se calaram num misto de excitação e delírio. Quando a visão desceu e nos vimos a sós novamente, a mais engraçada de nós ensaiou um desmaio histriônico e caiu dura no chão. Nunca esqueci.

Marisa Monte eu conheci em sua estreia, numa versão dirigida por Miguel Falabella de Rock Horror Show, com alunos do Colégio Andrews. Ela abria o espetáculo, soltando a voz no papel da Baleira. Os dons da morena eram óbvios, apesar da adolescência, e eu pensei que a moça tinha talento e talvez vingasse na profissão.

Décadas depois, no fim de semana que se seguiu ao deprimente julgamento da chapa Dilma-Temer no TSE, eu me sento na plateia de uma casa de espetáculos abarrotada, para assistir a Paulinho da Viola e Marisa Monte, parceiros e amigos de longa data.

Como o resto dos brasileiros, eu me sentia — e me sinto — refém dos corsários que tomaram de assalto os três poderes. Estava — e estou — assustada com a truculência bovina dos homens de toga, e solidária com a delicadeza assertiva do novo herói da nação, Herman Benjamin.

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A luz se apagou e Paulinho cantou Coração Leviano. “Trama em segredo teus planos…”. Bastou a primeira estrofe para eu lembrar que não somos isso, esse horror. Não somos. Bastou o refrão do poeta para me curar, pelo menos naquela noite, do engulho.

E aí veio Marisa, minha quase parente, a realeza dela, a inteligência, a voz, a vocação e a humildade que ela nem precisava ter. Foi um rio que lavou a minha alma aquele show, naquele dia, naquela semana.

E ainda teve Sinal Fechado, que ouvi na voz de Chico, na infância, no extinto Canecão, durante os anos de chumbo. Repetida agora, a canção carrega o mesmo desterro, afastamento e solidão da época. A mixórdia democrática e a ditadura. O exílio sem sair do país.

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Como estamos todos monotemáticos, achei que Paulinho e Marisa acabariam fazendo algum comentário a respeito do que ocorreu no TSE. Não seria surpresa. Mas não. Não se falou em política, não se bradou nenhuma palavra de ordem. O requinte da música, dos músicos, a poesia, o valor da cultura é que servia de espelho às avessas, de resposta e saída para o assombroso momento.

Pixinguinha, Monarco, Candeia, Arnaldo, a Velha Guarda, o amor, a vida, nada mais. Saí outra dali.

Na coxia, agradeci a Marisa. Disse que o show tinha me salvado da depressão. Ela respondeu que para ela também, estar em cena com Paulinho andava servindo de antídoto para o veneno diário.

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Aqui é “Fora Temer”, a diva observou. Fora mesmo. Fora geral. Fora no sentido de alijado, de não fazer parte, de não ser digno de ser mencionado ali.

Grande protesto.

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