Entrego minha crônica com uma semana de antecedência. Hoje é domingo, 27 de maio, eu já havia terminado um texto sobre o Uber pirata, mas voltei para o teclado. A greve dos caminhoneiros se impôs.
Estou no meu quarto, com o computador no colo, a televisão ligada, acompanhando o plantão do noticiário. Acabo de ouvir o pronunciamento do presidente. Pelo olhar assustado do ex-vice, nota-se que ele não tem força, poder ou moral para conduzir a crise.
Até agora, toquei a vida como se a situação fosse se acalmar, mas já não tenho a mesma ilusão. A geladeira se esvaziou, o tanque do carro secou e os petroleiros prometem aderir à paralisação. Bombeiros e policiais rodoviários se mostram solidários aos grevistas, assim como uma parte substancial da população.
Apesar da falta de remédio, de comida e de combustível, apesar do colapso no abastecimento e da acusação de locaute do movimento, o povo se reconhece na indignação dos caminhoneiros. Ninguém aguenta mais fazer sacrifício, pagando impostos que nada oferecem em troca. Percebo uma sensação de revanche nas pessoas, um desejo de que Brasília exploda, junto com os engravatados que batem ponto nos Três Poderes.
A fagulha da greve tem grande possibilidade de virar incêndio e se transformar num 2013 sobre rodas, ou algo pior. Temer logo cedeu às reivindicações, mas não conseguiu liberar as estradas. A fatura de 5 bilhões, em poucos dias, saltou para 10. Não há acordo que dê conta da insatisfação.
Os três meses que nos afastam das eleições de outubro se tornaram longos demais para um governo tão fragilizado. Uma ruptura agora abriria alas para monstros ainda mais cabeludos: um fascista eleito pelo ódio ou um governo indireto, escolhido por esse Congresso assombroso. Em sua coluna de domingo, Elio Gaspari escreveu que a ideia do semipresidencialismo voltou a circular pelos gabinetes do Planalto.
Nada mais é previsível, nem o preço do diesel nem o fôlego dos governantes. Talvez outras categorias cruzem os braços antes de esta crônica entrar na rotativa. Talvez o Brasil pare de fato, greve geral, irrestrita.
Temer corre o risco de ir parar na cadeia caso perca a imunidade do cargo — muitos de seus ministros também.
São raposas que nada têm a perder, já que a chance de serem eleitas é nula. O coro dos que pregam o retorno da linha dura e o risco de caos social podem servir aos interesses do grupo. O estado de sítio, uma vez decretado, impediria a realização de eleições.
Ouvi essa tese de um político experiente, logo depois da intervenção no Rio de Janeiro, e não achei que fosse plausível. Hoje, já não tenho tanta certeza.
Tudo falhou, o Estado salvador e a ortodoxia liberal, nenhuma corrente econômica deu conta da crise política. Não sei a situação de amanhã, muito menos a do domingo que vem.
Espero que ainda haja leitores, revistas, açougues, escolas, hospitais, cinemas, mercados, água, luz, energia… Espero que ainda exista um país minimamente operante quando este artigo for publicado.