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Cydno

Em 1986, lá se vão 28 anos, decidi construir um lar pra mim. Com o valor de um apertamentinho enfezado, era possível adquirir 2 000 metros de terreno com vista para o mar e luxuriante vegetação tropical. Ainda é. Meu namorado de então era admirador do Zanine e havia crescido em uma casa na Joatinga desenhada […]

Por Daniela Pessoa Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 25 fev 2017, 18h47 - Publicado em 22 fev 2014, 00h18

Em 1986, lá se vão 28 anos, decidi construir um lar pra mim. Com o valor de um apertamentinho enfezado, era possível adquirir 2 000 metros de terreno com vista para o mar e luxuriante vegetação tropical. Ainda é.

Meu namorado de então era admirador do Zanine e havia crescido em uma casa na Joatinga desenhada pelo baiano. Ele me falou com entusiasmo do trabalho de Cydno Silveira, que, assim como Zanine, era ligado à tradição brasileira das construções de madeira e taipa.

Como eu não tinha dinheiro para nada além do terreno, os projetos de Cydno se encaixavam não só na minha realidade econômica, como também no meu anseio de ter uma tapera com influências caboclas.

Cydno me acompanhou na visita a vários lotes. Com facão em punho, escalou morros, atravessou matagais, desaconselhou pirambeiras, até que surgiu esse lote em São Conrado com 360 graus de mar, bosque e Pedra da Gávea, uma beleza de se estar.

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Fechei.

Não lembro o que me fez trair o Cydno. Acho que meu conselheiro me apresentou ao Centro de Desenvolvimento das Aplicações das Madeiras, que ficava ali no final do Horto, onde era possível adquirir um traçado do Zanine para casas populares. Dei com uma de telhado alto, sustentado por uma tesoura de troncos que me fez optar pelo mestre.

Duas semanas atrás, em visita à propriedade de meu amigo Breno Silveira na serra, eu me encontro com esse homem bem-humorado e jovial, apesar dos cabelos brancos, que vistoriava os bangalôs em construção. Jogamos conversa fora, até que ele me perguntou se eu não lembrava de tê-lo visto antes.

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Não, eu não lembrava.

A simpatia de pessoa rememorou toda a saga que eu acabo de narrar e me veio a imagem difusa de um homem parecido com ele, bilênios de anos atrás, me convencendo a desistir de um descampado no Alto da Boa Vista.

Constrangida, percebi que não só eu havia tomado um baita tempo da sua vida, como realizara o projeto com outro sem lhe dar satisfação. Perguntei se eu, pelo menos, lhe havia retribuído o serviço. Ele riu e disse que não. Eu me ofereci para acertar a dívida no ato, mas fui demovida da ideia.

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Para aliviar a vergonha, expliquei que a arquiteta responsável errara em quase tudo na casa, mal posicionada em relação ao sol e com um rebaixamento que destruíra as linhas do Zanine.

— Eu devia ter feito com você — concluí, sincera.

Só no fim da tarde percebi que o Cydno era pai do meu amigo Breno. Eu o achei novo demais, se isso serve de atenuante. Todos os meus amigos, atualmente, têm cabelos brancos; os pais diferem pouco dos filhos maduros.

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Breno Silveira, Cydno Silveira, o nome acendeu a memória. O Cydno dos projetos fiéis aos costumes da terra, com as paredes irregulares, o madeiramento e o material regional. O Cydno do Alto da Boa Vista.

Venho por meio desta me desculpar pela falta de jeito e de educação, passada e presente, e para falar do meu prazer de ver as suas casas singelas, elegantemente erguidas no paraíso serrano do seu rebento.

Hoje, eu moro em apartamento e não quero voltar a ser síndica de mim mesma por nada neste mundo. Mas gostaria de saber que fim levou o Centro de Desenvolvimento das Aplicações das Madeiras com os arquivos do Zanine, de quem continuo devota.

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