Gosto de estar em casa quando anoitece. Sou tomada por uma melancolia atroz toda vez que me vejo em um táxi no lusco-fusco das 6 da tarde e olho, da rua, um prédio com as janelas iluminadas pelo aconchego de um lar. Logo penso no meu e tenho ganas de descer do veículo, bater na primeira porta e pedir para entrar até a aflição passar.
Deve ser desses medos atávicos, como o de cobras e lagartos, que faz o cair da noite ser uma hora tão delicada.
Morei muitos anos em uma cabana de Tarzan na floresta de São Conrado. O amanhecer era um espetáculo majestoso, mas a Pedra da Gávea e a mata fechada davam cabo do sol muito antes de o dia terminar. Um aperto no peito me tirava do lar assim que as cigarras começavam a zumbir. Eu pegava o carro e ia ver gente.
A natureza bucólica provoca uma solidão tão assustadora quanto a do táxi na Nossa Senhora de Copacabana.
É bom estar em casa, especialmente depois das 5, mas o ideal é que essa casa esteja perto de outras. Até São Conrado, minha ilusão de felicidade era não ouvir motor, descarga ou buzina. Eu vivi um bom tempo em uma cobertura no Humaitá com uma vista excelente, só que o ruído do Túnel Rebouças subia pela lateral do prédio altíssimo e reverberava na sala, no quarto e na cozinha. O trauma me fez buscar refúgio na montanha.
A vida de ermitã também se mostrou perturbadora. A falta de vizinhos e o som da escuridão davam passagem para uma insegurança ancestral. Durante o dia, o afastamento do campo só trazia alegrias, um júbilo proporcional à angústia do entardecer.
Quando visitei a Índia, fiz um safári na fronteira com o Nepal, em uma reserva de tigres e rinocerontes. Uma das atrações era o acampamento avançado, dentro da selva asiática.
Servia-se chá com biscoitos nas elegantes barracas inglesas e a ceia era regada a vinho. Tudo muito civilizado, mas quando os últimos raios dourados se esconderam atrás das árvores, do outro lado do rio, os animais se puseram a rugir. O Brasil não tem bicho grande, é uma onça aqui, uma paca acolá. A Índia é como a África; os pássaros são tão robustos quanto os paquidermes. Passarinho, lá, não gorjeia, grasna. Os macacos roncam, os elefantes bramem, as girafas choram, as hienas gargalham e os javalis grunhem em uma sinfonia assustadora que anuncia a madrugada.
Eu me deitei em pânico, abatida pela insignificância que atormenta os mamíferos desde os tempos do Triássico. Imagine o eco de um dinossauro cocoricando. Eras e eras se passaram e o estado de alerta continua ligado. Dormi mal como o diabo.
Um terror parecido me abateu, certa feita, no pacato sítio da família em Teresópolis. Saí no gramado para ver as estrelas. De repente, ecoou no vale um rugido devastador. Minha espinha gelou, olhei em volta à procura da besta-fera. O urro se repetiu. Achei mais prudente caminhar a passos largos até um abrigo e tranquei a porta com o coração palpitando. Dona Glória, a caseira, explicou que o vizinho havia comprado um leão de nome Gugu. Fui vê-lo no dia seguinte. Era um ser indefeso e deprimido em uma jaula apertada. Dava pena de olhar. O fremido noturno era lamúria do rei.
O toque de alvorada do galo é enérgico e positivo, mas a natureza entoa um lamento choroso no poente; prenúncio funesto, aviso trágico de que a morte pode estar à espreita.
Fiz a mudança de novo, dessa vez para um apartamento na Gávea com ônibus passando na porta, festa no condomínio e baticum de obra. Troquei o suposto silêncio do mato por uma acalentadora quietude interior. Estar no meio dos outros me acalmou imenso.
A volta à rotina de março me lembra essa mesma paz redentora.
As crianças na escola, o trabalho, os médicos e os engarrafamentos do furor produtivo nos arrancam do marasmo das férias. Adoro férias, mas me sinto protegida em meio à confusão.
Só, porém acompanhada.