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Maré

O dever de casa do meu pequeno pedia que ele recortasse uma matéria de jornal sobre a água para levá-la para a escola. Não foi difícil encontrá-la. A primeira página de O Globo de segunda-feira estampava a foto das gigogas que infestaram a Praia da Barra da Tijuca depois da ressaca. O mau tempo revirou o fundo […]

Por Daniela Pessoa Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 25 fev 2017, 17h32 - Publicado em 7 Maio 2016, 01h00
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    O dever de casa do meu pequeno pedia que ele recortasse uma matéria de jornal sobre a água para levá-la para a escola.

    Não foi difícil encontrá-la.

    A primeira página de O Globo de segunda-feira estampava a foto das gigogas que infestaram a Praia da Barra da Tijuca depois da ressaca. O mau tempo revirou o fundo lodoso das lagoas, proliferando as ditas e liberando o bodum dos gases tóxicos do leito assoreado. A chance de mortandade
    de peixes durante a semana é grande.

    Os responsáveis pela manutenção da barreira ecológica, que impede a imundice de invadir a orla, não recebem há quatro meses e trabalham a meio palmo. Como resultado, até um sofá foi encontrado entre os dejetos que foram dar na areia.

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    Graças à fúria de São Pedro, o campeonato mundial de surfe foi parar em Grumari. Em vez de insistir na Baía de Guanabara, as autoridades deveriam se dar por vencidas e seguir o exemplo, transferindo as provas aquáticas dos Jogos para Angra dos Reis.

    Li a notícia sobre a poluição das praias para meu filho com profundo pesar. A promessa olímpica de sanear nossas águas não se concretizou nem se concretizará.

    Abril gabaritou.

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    Uma mega cratera rachou o asfalto da Gomes Carneiro, a ressaca empesteou de plástico a Baía na altura do Museu do Amanhã e destruiu o calçadão de São Conrado.

    Para culminar, uma onda arrancou 50 metros da ciclovia recém-inaugurada, matando duas pessoas e dando cabo da esperança olímpica de uma cidade melhor.

    A ideia de ligar o Leme ao Pontal sempre foi bem-vinda, mas o traçado já demonstrava pressa e falta de planejamento. Em vez de acompanhar as curvas sinuosas da elegante Niemeyer, os pilares broncos traçavam linhas retas, como um Playmobil gigante, e não respeitavam o nível da rua, enterrando a avenida entre a pedra e as grades de segurança.

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    Aceitamos a feiura com resignação, sem suspeitar da deselegância dos cálculos criminosos da engenharia. Diante da foto da tragédia, enviada por amigos pelo celular, experimentei uma sensação de pasmo parecida com a que tive em 20 de novembro de 1971, um sábado, ao tomar ciência da queda do Elevado Paulo de Frontin.

    Eu tinha 6 anos, morava no Jardim Botânico e minha avó, na Tijuca. A família se preparava para cruzar o túnel, quando o Jornal Hoje anunciou o colapso do segmento de concreto sobre os carros que passavam pelo Rio Comprido.

    Escapamos por meia hora. O susto foi tanto que passei anos angustiada com a ideia de ter de visitar meus parentes.

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    A fragilidade da ciclovia desperta suspeitas quanto ao padrão das obras em andamento. Os mais bem informados dizem que os atrasos beneficiam as construtoras. A urgência flexibiliza os cofres públicos e a fiscalização. Nem precisava, porque o consórcio vencedor projeta, constrói e checa a segurança.

    Eduardo Paes acertou em Madureira, na demolição daquela passarela esdrúxula de Ipanema e na implosão da Perimetral, mas deixará de herança uma ciclovia que merecia ir abaixo.

    Espero que os demais canteiros de obra nos reservem um destino melhor.

    Cadê a mãe de santo?

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