Richard Alpert foi parceiro do psicólogo americano Timothy Leary nas pesquisas de expansão da mente com o LSD, em Harvard, na década de 60.
Alpert deu seguimento aos seus estudos sobre a consciência com o guru Neem Karoli Baba, na Índia, onde adotou o nome de Ram Dass. Mestre feito, fundou instituições de caridade e transmitiu os seus ensinamentos. No documentário Fierce Grace, sobre a sua trajetória, uma família perde a filha de 12 anos, assassinada por um desequilibrado em uma cidade pacata do interior dos Estados Unidos.
Depois da tragédia, a mãe não encontra consolo, a ponto de pensar no suicídio como possível alívio para o peso dos dias. É quando Ram Dass lhe escreve uma carta. Nela, pede que a mãe não pense na filha como um projeto interrompido, mas como um ciclo completo, que nasceu, viveu e morreu no tempo determinado. Que veja a passagem da menina como um acontecimento luminoso e sinta alegria pela oportunidade de ter vivido doze anos ao lado dela.
Essas palavras, segundo a mãe, a ajudaram a recuperar a alegria de ter estado com a cria e a vê-la não como algo trágico, cortado, mas inteira, plena, como sempre foi.
Na terça-feira, logo depois do Carnaval, Gabriel, amigo do meu filho caçula, caiu com febre e sintomas de meningite. Apesar de a cultura dar negativo para o meningococo, o quadro evoluiu rapidamente até levar embora o menino de apenas 5 anos.
A indiferença da vida é brutal. Não há nada que dê conta do desterro, do medo, da impotência e do luto de tal situação. Filho é nervo exposto. É pior que na carne. Não há coração que dê conta de uma perda assim.
No Oriente, tudo é ilusão. Apesar de etérea, não deixa de ser uma visão realista da ciranda das encarnações. Buda, até onde entendo, prega a compaixão, a aceitação e o desapego como aliados contra a insignificância com que a natureza nos trata.
Os espíritas creem que a alma permanece intacta. Parecem reconfortados, o que invejo. Domingos Oliveira defende a ideia de que a única atitude digna diante da morte é negá-la até morrer.
O que tento, quando ela não ataca com botes traiçoeiros. A carta de Ram Dass poderia ter sido escrita para o Marcelo e a Michele, pais do Gabriel. Depois de passado o choque, o torpor, os primeiros dias e o tempo, que eles sintam não só a falta, mas sobretudo a presença dele. E que ela lhes sirva de guia por toda a breve existência.
Por mais que se viva, é sempre pouco.
Na missa em memória do Gabriel rezei o Pai-Nosso. Naquele mesmo dia, eu rezaria a oração pela segunda vez, no batismo ecumênico do Roque, filho da Regina e do Estevão.
Eu não acredito em um Pai supremo. Deus não é homem, mulher ou bicho. Não consigo chamá-lo de pai, o que sempre atrapalha o meu empenho no Pai-Nosso. Mas repeti-lo com poucas horas de intervalo, primeiro numa missa de despedida de uma criança e depois em outra, de boas-vindas, me fez prestar maior atenção às palavras. Elas também falam da aceitação, da compaixão e do desapego necessários para resistir às intempéries.
Assim na terra como no céu.