São Paulo. Sento-me para assistir ao novo show de Chico Buarque, Caravanas, no Tom Brasil.
Havia um frisson no salão, lotado de uma multidão sedenta pela presença do ídolo. Chico entrou manso, cantando Minha Embaixada Chegou, mas a plateia continuou aflita, desejosa de manifestar sua devoção pelo poeta.
Uma mulher desesperada, sentada no balcão, deu de gritar LINDO! LIIIINDO!!!, LIIIIIIIIINDO!!!!!!! durante a versão intimista, banquinho e violão, de Retrato em Branco e Preto. Entre temeroso e desconfiado, Chico levantou os olhos turquesa e, talvez receoso de que a dona pulasse da arquibancada, preferiu ignorar o assédio.
A fã insistiu no uivo estridente, até ser removida pelos seguranças. Acho que foi o que aconteceu. De onde eu estava, só deu para ouvir os gritos de protesto da descontrolada, seguidos dos aplausos de alívio de quem estava em volta.
Caravanas é um disco extraordinário, diferente do último trabalho do músico, em que Chico cantou o amor. Há composições irônicas, como a dedicada à senhora que fala mal dele por aí; irresistíveis, como a em que o gênio cogita virar mulher, para conquistar a moça afeita às moças; há a delicadíssima valsa Massarandupió, em parceria com o neto, também Chico; mas é a assombrosa Caravanas — mistura de Camus com EI e o bonde da praia — que dá o tom desse trabalho.
Chico canta o estupor.
Mesmo as composições já conhecidas parecem falar da insensatez dos que defendem o paredão, agridem o compositor na rua, ou postam mensagens racistas no Face, no Twitter… Chico se afirma um artista brasileiro em Paratodos, um cigano Mambembe da embaixada dos Malandros de Partido Alto e da Geni do Zepelim.
Caravanas é belo e melancólico. É político e social.
Por isso, fiquei algo chocada com a turba esgoelando GOSTOSO!!!, LINDO!!!, TE AMO!!!!. Um tesão carente, alucinado, dissonante do que estava sendo dito ali, no palco.
Senti falta de silêncio, de comunhão. Chico foi profissa, cumpriu o roteiro, mas não se abriu com os presentes. Falou pouco, só o essencial, fez o bis e foi-se embora.
O bis, aliás, foi um show à parte. O mundaréu de gente avançou, todos munidos de celular. Muita, mas muita gente se virou de costas para o cantor e deu de tirar selfies. Os que não tinham talento para o autorretrato posavam para um amigo, certificando-se, sempre em voz alta, que Chico havia sido incluído no fundo do quadro.
Quem não tirava fotos filmava com o celular suspenso, barrando a visão de quem queria só assistir com os olhos. Todos postavam furiosamente, de cabeça baixa, esquecidos do show, mas orgulhosos de terem aprisionado o artista na tela de seu mobile.
Só me lembro de um momento de congraçamento. Foi quando a plateia, com o punho em riste e um prazer confesso de malhar alguém, jogou pedra na Geni.
Foi uma coisa estranhíssima.