Fiz uma curta temporada d’A Casa dos Budas Ditosos em São Paulo, depois de muito tempo ausente da capital paulista. Eu me apresentei no Teatro Porto Seguro, que pertence a um centro cultural construído na zona da Cracolândia, parte de um projeto de recuperação do bairro de Campos Elíseos.
A sala é um assombro de perfeição técnica, com 500 confortabilíssimos lugares dispostos num espaço equipado com luz e som impecáveis, estacionamento, camarins como eu só vi na Alemanha e público, muito público.
Lázaro Ramos e Thaís Araújo estão em cartaz no Teatro Faap, com O Topo da Montanha, e devem ficar na ponte aérea até o fim do ano, devido ao enorme sucesso. O mesmo acontece com Denise Fraga, que encarna Galileu Galilei no Tuca, e Maria Luiza Mendonça e Du Moscovis, com Um Bonde Chamado Desejo, no Tuca Arena. Casas lotadas e promessa de temporadas longas como raras vezes vi.
O Teatro Oficina, de José Celso Martinez Corrêa, foi eleito o mais bonito do mundo pelo The Guardian inglês e tenta, no momento, convencer o Grupo Silvio Santos a desistir da construção de um condomínio de arranha-céus no terreno vizinho ao prédio. A batalha não é relevante apenas para o Oficina. Todo o Bixiga e, por extensão, São Paulo ganhariam com a preservação do sol, do chão e do céu que, de forma indireta, fazem parte do deslumbrante projeto de Lina Bo Bardi.
O teatro é vivo em São Paulo. Da Praça Roosevelt à Sala São Paulo; do CPT, de Antunes Filho, aos CEUs, da prefeitura; dos teatros de shopping aos Sescs; dos palcos tradicionais aos alternativos; a cena paulista é uma realidade concreta, transformadora e autossustentável.
Numa hora em que o setor se prepara para desmamar da dependência da Lei Rouanet, encanta saber que é possível, para um ator, viver de teatro em São Paulo. É algo que denuncia a riqueza da cidade, seu nível de educação e sua compreensão de que a cultura é capaz de mudar tanto o destino de um bairro quanto a cabeça de um cidadão.
A crise inevitável causa estragos em todo o país. No Rio, a queda do valor do barril de petróleo castigará ainda mais um estado que não possui a pujança econômica do vizinho. São Paulo tem um colchão de riqueza que amortizará os efeitos devastadores das vacas magras. O Rio não tem gordura para queimar. Já sinto o descompasso nas ruas, a violência crescente, e prevejo que muitas obras inacabadas virarão tapume.
Na última crise, que durou mais de vinte anos para passar, bairros como a Tijuca sofreram com o atraso das obras do metrô e tiveram de conviver com buracos eternos e a degradação de uma vizinhança antes nobre.
Saí de São Paulo sentindo um aperto estranho pelo meu estado. Sou uma carioca arraigada e temo experimentar novamente a falência que enfrentei, que todos nós enfrentamos, durante os nada saudosos tempos de Saturnino Braga.
Que o Corcovado nos proteja do que vem por aí.