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Fernanda Torres

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Santiago

Fui pegar um ar durante o intervalo de um concerto para violoncelo e piano no Wigmore Hall, em Londres, quando uma figura curiosa, com um ar jovial, apesar dos cabelos brancos e da barriga protuberante, perguntou, simpática: “Brasileiros?”. Na presunção de que havia sido reconhecida, preparei-me para a habitual foto de celular, mas não, a […]

Por Daniela Pessoa Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 25 fev 2017, 18h49 - Publicado em 24 jan 2014, 19h06

Fui pegar um ar durante o intervalo de um concerto para violoncelo e piano no Wigmore Hall, em Londres, quando uma figura curiosa, com um ar jovial, apesar dos cabelos brancos e da barriga protuberante, perguntou, simpática: “Brasileiros?”. Na presunção de que havia sido reconhecida, preparei-me para a habitual foto de celular, mas não, a alegria do conterrâneo se devia somente ao fato de estar escutando português.

Santiago Carvalho é violoncelista, nasceu em São João del Rey, Minas Gerais, dono de um talento raro e extraordinário. Nos poucos minutos em que estivemos juntos, ouvi um breve resumo de sua ópera.

Em 1969, o moço ganhava a vida tocando na noite do Rio quando, por insistência dos amigos, se inscreveu em um concurso para uma bolsa de estudos na Royal Academy of Music de Londres. Único escolhido entre os mais de 200 candidatos, terminou a formação em Paris e Siena, até que, em 1972, foi admitido na London Philharmonic Orchestra, da qual nunca mais saiu.

Uma semana depois, fui vê-lo tocar a Sexta de Mahler, regida pelo russo Vladimir Jurowski.

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Agradeci de joelhos o inesperado encontro. Foi uma dessas noites memoráveis, que me fez repensar no meu parco conhecimento de música erudita. Não há nada mais lindo do que ouvir uma orquestra tocar para você. Jurowski rege com gentileza, sorri, conduz magistralmente seus mais de 100 instrumentistas. E senti um prazer especial em ver Santiago no meio dos músicos, um deles agarrado ao seu violoncelo de 1692.

No intervalo, ele permaneceu no palco e arrisquei um aceno. Feliz em me ver, abriu a porta do backstage e me convidou para um passeio pelo recreio dos clarinetes, violinos e tubas da orquestra. Fui criada em coxia, foi um presente e tanto.

A primeira parte do programa era a estreia mundial de uma composição de James MacMillan, de quem eu nunca tinha ouvido falar, criada especialmente para um violista de nome Lawrence Power. Fiquei tão desconcertada com o que estava ouvindo que, imbecil que sou, achei que era Mahler. Deus perdoa. Power toca sem salto alto, com a mesma fúria de um roqueiro, é um colosso.

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A música clássica é algo popular na Inglaterra, como o samba, o choro. A plateia é formada por classes sociais distintas, é muito bacana de ver. Espero ficar mais atenta à programação da Cecília Meireles, do Municipal e da Sala São Paulo. Perco muito dando as costas, ou os ouvidos, a tamanha beleza. É diferente ao vivo.

Incrível pensar no caminho improvável de Santiago.

Um brasileiro tão fora da curva que só o exílio para dar conta do dom com que nasceu. Uma cruz acompanha o seu nome na lista de músicos do programa. O símbolo indica que o chevalier foi agraciado com a Ordem do Barão do Rio Branco pelos serviços prestados à nação.

Os concertos da London Philharmonic Orchestra podem ser ouvidos de graça no site da BBC. Vale a pena a visita.

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