Meu pai faleceu há cinco anos, na madrugada de 4 para 5 de setembro de 2008. Todo ano, em sua homenagem, minha mãe celebra uma missa no Mosteiro de São Bento. Vamos só nós mesmos, a família pequena e os que, de tão próximos, se tornaram parentes. Eu nunca havia reparado, mas a bela edificação, fundada por beneditinos baianos no morro pequeno que dá vista para a Baía de Guanabara, é o lugar do Rio que mais lembra Salvador.
O Rio colonial foi soterrado pelos automóveis, mas, agora, com as obras de revitalização do porto a pleno vapor, já é possível imaginar o alto do São Bento com o mar, o Museu do Amanhã e a cobertura sinuosa do Museu de Arte do Rio ao fundo, sem o horror da Perimetral sujando tudo no meio.
Padre Matias rezou uma missa exemplar, falou da importância do pai, foi muito bonito. Uma mãe e uma filha jovens pegaram carona na oração. Era aniversário da menina,e as duas foram até a igreja para comemorar a data. O monge incluiu a saudação do “cumpre anos” da jovem na missa do meu pai. Fez bem, a existência é isso mesmo, nascimento, vida, morte e ressurreição na memória de quem fica.
Atrasamos um pouco o início da sessão, a mudança de sentido das ruas tornou o acesso confuso. Enquanto esperávamos os últimos amigos chegarem, quis saber o porquê de Matias ter escolhido o sacerdócio. Sempre me intrigou a razão que leva um jovem a optar pela reclusão e pelo celibato da batina.
Matias contou que fugiu de casa para ser padre. A família não queria, a mãe se deprimiu, o pai calou-se e os irmãos tentaram demovê-lo da ideia, mas o menino havia nascido para o clero. Dono de um caráter reflexivo, sentiu, desde cedo, a inabalável vocação. “Eu gostava de ler e meditar”, diz ele. “Seria um desastre em uma paróquia, gosto do isolamento e do estudo.”
Trocou Natal pelo Rio de Janeiro antes de completar 20 anos. Em 1965, quando chegou, o mosteiro contava com 75 internos; hoje são 39. A renovação dos quadros não acompanhou a velocidade dos óbitos. Está cada vez mais difícil encontrar seres vocacionados como Matias.
Ouvindo-o contar sobre o enfrentamento com a família e a recusa dos pais em aceitar sua opção monástica, tive a impressão de estar testemunhando a saga de um roqueiro contestador, um revolucionário, mas não, era a rebeldia da castidade.
Na saída, Matias quis nos mostrar seu paraíso.
Uma porta, à direita de quem sai, guarda a entrada do claustro. O monge a abriu e convidou os homens a entrar, enquanto as mulheres aguardavam no umbral.
Um pedaço do século XVII intocado, com um jardim interno cercado pela construção portuguesa, guardava a santa paz. Compreende-se, ao vislumbrá-lo, que Matias queira permanecer ali, longe do ruído do mundo.
Entende-se, também, o porquê de Diogo de Brito Lacerda ter doado o terreno aos monges em troca de ser sepultado na capela principal e ter seu nome encomendado em uma missa, todos os dias, até o fim dos tempos.
Entre muitos mistérios, o São Bento possui um quarto de hóspedes para abrigar almas inquietas, carentes de uma palavra, ou necessitadas de afastamento e silêncio.
Fica a dica para quem precisa.