E o maçarico de dezembro chegou rasgando, torturando os papais noéis e lotando as ruas de carros, as praias de gente e a alma de ansiedade.
Antecipei o funil de Natal, saí cedo e voltarei muito depois das festas. Já tratei das cestas básicas, dos 13º salários, dos perus comemorativos e dos espumantes de agradecimento.
A árvore da Lagoa está bonita neste ano. Talvez seja a mais linda desde que foi instituído o cartão-postal. As bolas azuis com fotos dos pontos turísticos da cidade, de cinco anos atrás, despontam, ainda, como a mais horrenda das decorações; mas o pinheiro de luz veio florido em 2012 e fugiu do dourado, verde e vermelho tradicionais, optando por psicodélicas flores púrpura, rosa e alaranjadas. Gostei.
Assustei-me com o calor. A rotina escolar e o emprego ordenado afastam a gente da meia-estação. As férias caem sempre nos frios e calores extremos, não importa o hemisfério. Com o aquecimento global, põe extremo nisso. Trocarei o forno da Guanabara pelo não menos cabeludo freezer europeu.
Acredito que muitos dos que folheiam esta revista estejam na correria, fechando mala ou decidindo para onde ir ou onde ficar.
A pressão de fim de ano empurra o ser humano para as situações mais trágicas.
Um construtor me contou que planejara um réveillon inesquecível em Paris com toda a família. Chegando lá, foi informado de que a virada oficial se daria no Arco do Triunfo. Acompanhado da mulher e dos filhos, o pai herói rumou para a Champs-Elysées. Admiro a coragem dos que se dispõem a encarar multidões. Ele chegou cedo, para garantir um lugar com visão privilegiada dos fogos. A noite caiu, a turba veio e se aboletou em torno do cordão de isolamento. Meu conhecido assegurou o mínimo conforto aos entes queridos, abrindo as asas tal qual galo emplumado. Em frente ao cordão, uma linha da guarda parisiense se ocupava da segurança. Deu meia-noite e nada. “Cadê os fogos?”, pensou. “Deve estar quase”, respondeu a mulher. “Já passou das 12?” Os filhos congelaram e pediram para voltar ao hotel, a massa se dispersou e a esposa sugeriu que eles brindassem assim mesmo. “Deve ter acontecido algum problema com a pólvora”, intuiu. O pai prestimoso sondou os policiais a respeito de algum imprevisto e foi informado de que os franceses, algo inconcebível para um brasileiro acostumado à piromania dos trópicos, não promovem queimas na passagem do ano. “Mas então por que as pessoas se amontoam na rua?”, pensou. “Paris, nunca mais”, concluiu, arrependido.
Uma amiga planejou o Ano-Novo dos sonhos em Nova York. Desavisada, decidiu ver a maçã cair na Times Square. Era jovem, ainda não tinha consciência dos próprios atos. Marcou a limusine para as 10 e meia e estancou em um engarrafamento bíblico na altura da Rua 31. As horas escorreram rápido, a tensão cresceu, ela estava de salto, teve receio de caminhar e não chegar a tempo. Tudo errado, tudo errado, tudo errado. De repente, o motorista se virou para trás e desejou um happy new year sorumbático. Cinderela chorou.
Quando comprei o apartamento onde moro, achei por bem abrir os salões em um 31 de dezembro, antes de começar uma obra. Correu na cidade que Miss Sixty, uma DJ alemã de renome, daria uma canja em casa. Não sei onde surgiu o boato. A segurança abandonou a portaria quando bateu 3 e meia, e meu lar, que já comportava crianças, velhos, amigos e desgarrados, foi invadido pelas hordas da noite. Dois travestis deixaram o terraço ao amanhecer, um amigo jazia abraçado ao vaso sanitário do banheiro de serviço, guimbas, latas de cerveja e copos quebrados se espalhavam pelo chão. Eu e meu cônjuge fomos dormir com o sol a pino. Sentados na cama, olhamos um para o outro e eu, como minha amiga da Times Square, caí em pranto convulsivo. No dia seguinte, um amigo solidário telefonou sugerindo a ajuda de profissionais para limpar o ambiente.
Ele conhecia um pai de santo especializado no assunto.
É por isso que, em épocas de grandes promessas, planos, anseios e expectativas, eu me agarro ao velho ditado: Deus me proteja do que desejo.