É um fato raro. Raríssimo. Não estamos acostumados a dar razão aos delírios do presidente Bolsonaro. Mas quando ele acerta – até pela excentricidade do feito – precisa ser reconhecido. Contabilizadas mais de 160 mil mortes por Covid-19, Bolsonaro vem à público dizer que o Brasil é um “país de maricas”. Convenhamos: o presidente não está errado. O Brasil é mesmo um país de maricas. Que outra nação pode se orgulhar de Caio Fernando Abreu, Hélio Oiticica, Gilberto Braga, Ney Matogrosso, Cazuza, João Silverio Trevisan, Antonio Cícero, Silviano Santiago, Renato Russo, Aguinaldo Silva, Joãozinho Trinta, Leonilson, Alair Gomes, José Celso Martinez Corrêa? Um timaço que há décadas nos emociona e faz sonhar. Um país de maricas! Sorte a nossa.
O preconceito de Bolsonaro foi cuspido na semana em que o mundo vivia um idílio com a normalidade: a vitória de Joe Biden e Kamala Harris trouxe de volta ao vocabulário dos telejornais palavras como “igualdade”, “harmonia” e “governar para todos”. Nós, brasileiros, nos desacostumamos delas. A cada vez que toma a infeliz decisão de parar diante de um microfone, Bolsonaro tem na manga uma agressão, seja contra um adversário político, um ambientalista, um homossexual.
A bem da verdade, não se pode afirmar que Bolsonaro desrespeita o isolamento social: há mais de 30 anos ele está isolado em suas certezas torpes erguidas na subjetividade pobre e triste das casernas. A fúria bélica que aponta às minorias não se repete contra outras freguesias. Deus acima de tudo, milicianos acima de todos. E se alguém decidir pagar pra ver, que seja em depósitos de dois mil, em dinheiro.
Sobreviver às idiotices de Bolsonaro se tornou um exercício de paciência. Um teste de sanidade até mesmo para quem embarcou na sua canoa furada de crescimento econômico. Toda vez que destila preconceito e ignorância contra os homossexuais, Bolsonaro se torna corresponsável pelos crimes que matam quase 400 gays por ano no Brasil.
Gustavo Pinheiro é dramaturgo e roteirista.