Colônia à Beira-Mar
Enquanto Prefeitura e Governo do Estado do Rio patinam, São Paulo dá um show na gestão cultural
Há algumas semanas, São Paulo anunciou que faria o maior Carnaval do Brasil. Tá maluco, mermão?! Mexeram com um dos poucos orgulhos que nos restam depois do rompimento da barragem da corrupção no Rio, que nos trouxe ao chorume onde vingaram as ervas daninhas que estão o poder.
Crivella, mais uma vez, não deu as caras no Sambódromo porque a alegria da festa pagã contraria sua fé. Já Witzel, depois de ser vaiado na passarela do samba, embarcou para os Estados Unidos. O desdém das autoridades do Rio com o Carnaval é apenas mais uma expressão do desleixo que ambos nutrem pela cultura. Ou alguém já cruzou com Witzel no Teatro Municipal? Ou esbarrou com Crivella na plateia de algum show que não seja gospel? Numa vernissage? No museu? Numa sala de cinema? Nada.
Ainda que não fossem consumidores das artes, poderiam ao menos reconhecer sua importância. Mas nem isso. Alguma novidade sobre a recuperação do Teatro Villa Lobos, que se arrasta há anos? E o Museu de Arte do Rio, agonizando na Praça Mauá? Quando teremos a conclusão do Museu da Imagem e do Som na Avenida Atlântica? E o Museu do Pontal, cujo acervo corre risco a cada nova tromba d’água? Residências artísticas foram retiradas de salas emblemáticas da cidade, como o Teatro Ipanema, para dar lugar a qual programação? Será que o Festival de Cinema do Rio vai ter que passar o pires de novo este ano? Há quase quatro meses o Teatro Carlos Gomes não tem nenhuma temporada, assim como o Teatro Dulcina. As salas do Teatro Serrador e Teatro Glauce Rocha estão fechados há mais de um ano e o Casagrande vive sob ameaça de fecharem suas portas, assim como acaba de acontecer com o Teatro Maison de France. Sempre poderemos recorrer aos secretários de cultura. Mas… alguém sabe quem são os secretários de cultura da cidade e do Estado do Rio e quais são suas políticas públicas?
Um passeio nos sites das duas secretarias pouco responde às dúvidas. Witzel preenche o espaço com notícias palpitantes como “Cultura de Angra vira referência” e “Governo do Estado oficializa apoio ao Reveillon 2020”. Há outras manchetes como “Claro Verão Rio leva atrações gratuitas à Ipanema” e “Governo do Estado do Rio patrocina o Verão TIM”, ações de empresas nitidamente financiadas por incentivo fiscal. Até aí, mal nenhum. Mas qual a política de Estado na área da cultura, além de conceder renúncia de imposto? Nada.
Na página da prefeitura na internet, descobrimos que a Secretaria Municipal precisou do apoio da Funarte para lançar um edital de música no valor de… 30 mil reais como prêmio! É menos do que se arrecada em dia fraco de culto.
Enquanto isso, do outro lado da Dutra, acontece uma revolução. Quem frequenta a ponte-aérea é categórico: São Paulo parece outro país. E não estamos falando de volume de dinheiro, mas de entendimento da cultura como ferramenta moderna de desenvolvimento social e econômico.
Alê Youssef e (o carioca!) Sergio Sá Leitão, secretários de cultura da cidade e do Estado de São Paulo, respectivamente, estão à frente de políticas públicas consistentes: o festival “Verão Sem Censura”, com peças, filmes e artistas proibidos em outras cidades do país; o anúncio de um novo centro de arte contemporânea perto da Paulista; o Mês do Hip Hop com 900 atividades gratuitas; o programa de apoio a filmagens nacionais e internacionais; e a presença no festival americano South by Southwest (SXSW), um dos mais importantes do mundo, para falar sobre economia criativa. Tudo isso apenas em 2020. Não é para um carioca morrer de inveja?
No fantástico livro recém-lançado “Metrópole à Beira-Mar”, Ruy Castro mostra o vigor da vida cultural no Rio dos anos 1920. Agora, cem anos depois, aquela que antes foi a fervilhante capital cultural do país, vai se apequenando nas mãos de governantes incapazes de entender o potencial da cultura. São Paulo já tomou para si a hashtag #SãoPauloCapitaldaCultura, reproduzida em peças de comunicação.
O que ainda resiste no Rio é por esforço e persistência exclusiva dos artistas e do público, remando contra a inércia do poder público. A antiga Metrópole caminha para ser uma Colônia à Beira-Mar.