Quem duvidou que o Rock The Mountain pudesse segurar dois dias inteiros de festival só com vozes femininas, teve que enfiar a viola no saco. A edição de 2023 foi lindíssima, e vai deixar saudades. O festival começou com Maria Rita ecoando sua voz pelas montanhas da serra fluminense, e acabou com Daniela Mercury transformando o campo de exposições de Petrópolis num pedacinho de Salvador. Pode não ter tido Benjor, Ney ou Alceu, mas teve Bethânia, e muitas outras divas bambérrimas da música brasileira. Isso permeado com conceitos de sustentabilidade, água de graça para economizar garrafas de plástico, e praça de alimentação vegetariana/vegana.
Já vi outros shows de Maria Rita, mas o que ela levou para o Rock The Mountain sábado foi especial (sempre é, diga-se de passagem: o festival tem um tchã, com shows diurnos em palcos no meio da floresta, e uma vibração própria). Maria Rita entrou no palco usando um vestido florido rodado, estufando o peito e cantando clássicos do samba, do afoxé e de Elis. Veio de “O Bêbado e a Equilibrista”, seguiu com “O show tem que continuar”, de Arlindo Cruz. Também estampou em vídeo a imagem de Marielle, de punhos cerrados, e entoou Cara Valente, que com o refrão chiclete “Ele não é de nada” virou grito contra Jair Bolsonaro (“Ele não, ele nunca mais!”, berrava o público enquanto o telão dizia “Democracia”).
Também teve espaço para a Final da Libertadores, acompanhada no telão montado no Palco Mangolab, com Flusão levando a torcida ao delírio numa disputa acirradíssima, que foi pra prorrogação e, ainda assim, não desorganizou o festival (sim, o Rock The Mountain preza horários e respeita o público como poucos festivais o fazem).
Dona Onete ocupou o palco assim que o jogo apertado acabou. “Deu tudo certo, podia ter dado errado, mas sempre dá certo”, entrou dizendo, e puxando logo um carimbó. Encantadora de botos, encantou também a plateia com um repertório que incluiu “Banzeiro”, “No Meio do Pitiú”, “Jamburana”. Diva do carimbó, Dona Onete deu lição de amor, alegria e empoderamento feminino.
O dia acabou com Marisa Monte, e um Grand Finale em que os holofotes se deitaram sobre o público, que cantou sozinho “Bem que se quis”.
Entre um show e outro, Iza, um bloco passando, um forró no coreto, tendas alucinadamente animadas e shows com novos nomes – esses podem não ter sido tão bons, mas acho que o RTM se propõe a ser esse laboratório, então tá tudo bem. Sem falar na roda de samba, com as mulheres levantando firme a poeira. Só Damas foi uma festa.
Domingo teve mais, e foi ainda melhor. Entre as grandes vozes femininas, Margareth Menezes foi quem abriu o dia, seguida de ninguém menos que Maria Bethânia. Se em Margareth a platéia veio abaixo com a potência do show, em Bethânia aquela massa incrédula flutuou. Não foi só música nesses dois shows, embora tenha sido e forte: foi um caldeirão de arte, cultura preta, política, religião e sexualidade. Chorei com Índio, dancei com Reconvexo, e quando achei que nada mais podia acontecer, vi a platéia se abraçar ao som de Daniela Mercury e seu Nobre Vagabundo.
Foi lindo, como sempre, e a boa notícia é que ano que vem tem mais! A pré-venda já deve abrir, fiquem de olho. E como sempre costuma cair num feriado, aproveitam para subir a serra de Itaipava e curtir uma cachoeira. Leiam as dicas de onde comer o que fazer em Itaipava e arredores. E siga o instagram do Juju na Trip para mais dicas de viagem.