O que as pessoas vão querer vestir depois de um ano como 2020? Esta é a pergunta que todos que trabalham com moda se fazem todos os dias desde que a pandemia foi decretada e começaram as quarentenas e lockdowns pelo mundo. Já sabemos que é preciso abraçar a incerteza que o momento nos trouxe, mas ainda assim é possível mapear os desejos das pessoas? Os cool hunters do mundo inteiro estão voltados para observação do que vivemos para projetar o que vem por aí e que caminhos as marcas do mundo inteiro podem seguir. Para saber mais sobre o tema, conversei com a caçadora de tendência e palestrante Sabina Deweik, que atua como cool hunter há quase 20 anos e foi diretora no Brasil do Future Concept Lab.
Que mudanças de comportamento você observou? Estamos tendo todo um universo se reconfigurando por conta da quarentena e do lockdown. E um dos universos que foi bastante afetado foi o universo da casa e, portanto, todos os rituais da casa, o que afeta automaticamente a moda. O primeiro ponto de alteração dos comportamentos é justamente uma moda mais confortável, que respeite essa necessidade do ficar em casa, um estilo de vida menos ostensivo. Todo o universo de muita ostentação hoje é quase agressivo para as pessoas.
Como esta mudança interfere no desejo de consumo? Há uma solicitação de empatia do consumidor e um desejo de conforto e autenticidade. Vimos muitas marcas fazendo ações e campanhas onde as próprias modelos se autofotografavam em casa em atividades diárias. Juntamente com isso, naturalmente, temos uma conexão maior com a nossa casa, com a memória, com os objetos da nossa casa. Por outro lado, há um desejo das pessoas de saírem de casa e de voltarem a se entreter e a viajar. Todos esse universo está ainda restrito e está ligado a uma tendência staycation.
O que significa staycation? É a junção das palavras em inglês stay (ficar) e vacation (férias). É uma tendência que afeta diversos segmentos de consumo, como turismo, moda, decoração. Significa desde tirar férias locais ou em lugares bem próximos ou até mesmo de se transportar sensorialmente e emocionalmente para outros lugares através de objetos, estampas, aromas, sabores, roupas. A Ikea, marca global de origem sueca de móveis e decoração de baixo custo, fez uma ação mirando nesta tendência do staycation sensorial. Eles criaram uma série de caixas temáticas de destinos paradisíacos, e em cada box vinha uma série de produtos, como velas, mantas, cerâmicas, que remetiam àquele lugar. E se cercar de elementos que te transportam sensorialmente é uma maneira de viajar também.
Seria um escapismo? Esta tendência não chega a ser um escapismo. É mais um desejo de voltar a fazer coisas que a gente ainda não pode fazer com liberdade, transportar para lugares de hedonismo, de prazer e entretenimento. Houve uma retração de atividades que eram normais e que agora viraram um super luxo. A moda sempre traz um elemento do desejo daquilo que a gente não pode ter no momento. E como o desejo está conectado com a falta, essa viagem, mesmo que sensorial, nos remete à liberdade e ao relaxamento. E por isso vemos tantas marcas que inspiraram suas coleções em destinos de viagem.
Que outra tendência surgiu a partir da pandemia? Além disso, outra tendência muito forte, é que estamos muito conectados com bem estar e qualidade de vida. Em 2020, muitas pessoas que nunca meditaram começaram a meditar, o veganismo está sendo mais discutido, muitas pessoas adotaram uma alimentação mais saudável e muitas pessoas que não se exercitavam passaram a se exercitar.
Julia Golldenzon é estilista especializada em festas e noivas. Formada em Comunicação Social pela PUC-Rio, ela trabalhou em marcas como Farm e La Estampa e, desde 2013, tem um ateliê no Leblon, que leva seu nome.