A cor branca tem tanto significado no universo do vestuário. Está presente no vestido de noiva, nos uniformes de marinheiros, médicos e enfermeiros. No Brasil, é associada ao réveillon, quando todos desejam um ano novo e bom, e às religiões afro-brasileiras. Significa pureza, paz, espiritualidade, limpeza e luz, por refletir todas as cores do espectro. Mas desta vez, numa pandemia sem precedentes no mundo contemporâneo, representa a incerteza do futuro e ao mesmo tempo o renascimento de uma nova história.
Esta semana, a “Vogue” italiana publicou uma capa em branco. É a primeira vez em mais de 100 anos que a revista não imprimiu fotos de modelos usando roupas e acessórios da temporada. E assim, em branco, chamou a atenção do mundo.
Conhecida como a bíblia da moda, a revista “Vogue”, que é publicada em 25 países, foi fundada em 1892. Suas edições já atravessaram duas guerras mundiais e a Guerra Fria, enfrentaram a crise de 1929, a Gripe Espanhola, a epidemia da Aids e atos de terrorismo como o ataque às Torres Gêmeas. Não é fácil falar de moda em tempos extremos como o que estamos vivendo.
Tenho visto muitas pessoas criticando o setor de moda, especialmente as revistas, quando na verdade precisamos também ter a sensibilidade de entender que muitos não sabem o que fazer e estão só tentando lidar com tantas incertezas. Uns vão acertar. Outros vão perceber que não acertaram e logo tentarão buscar novos caminhos.
Segundo o diretor-chefe da “Vogue” italiana, Emanuele Farneti, a edição “significa muitas coisas ao mesmo tempo”. Duas semanas antes de chegar às bancas, a revista teria como capa um ensaio que já havia sido planejado e fotografado num projeto duplo com a Vogue Uomo, edição masculina. “Mas falar sobre qualquer coisa enquanto as pessoas estão morrendo, médicos e enfermeiros estão arriscando suas vidas e o mundo está mudando para sempre não é o DNA da Vogue Itália”, escreveu Farneti. O post em que eles revelaram a capa no Instagram teve mais de 8 mil comentários.
Nesta pandemia do coronavírus, nós estamos vivendo um momento muito desafiador de profunda reflexão e também de medo e insegurança. Isso vai atingir todos os setores da nossa vida e da sociedade – inclusive dos que trabalham na economia criativa, como estilistas, designers, fotógrafos e jornalistas de moda. O mundo será outro daqui em diante. Novo, certamente. Mas como? Ninguém sabe ainda.
A decisão da revista de deixar a capa em branco foi um ato de respeito a todos que sofrem na Itália, a todos que perderam seus familiares, a todos que estão com medo, a todos que trabalham incansavelmente para abastecer o país e para salvar vidas. Esta capa em branco nos diz de alguma maneira que tudo bem também não saber o que dizer e como agir em momentos como este. Como escreveu Farneti, o branco “é uma folha esperando para ser escrita”.
Nós estamos diante “da uma nova história que está para começar”. Está nas nossas mãos o modo como iremos contá-la. Que seja com união, criatividade e muito respeito.
Julia Golldenzon é estilista especializada em festas e noivas. Formada em Comunicação Social pela PUC-Rio, ela trabalhou em marcas como Farm e La Estampa e, desde 2013, tem um ateliê no Leblon, que leva seu nome.