As crises costumam ser períodos em que a desigualdade se acentua e diversos setores se veem impactados com decréscimo de inovação. Como mostrou o Global Innovation Index 2020, publicação desenvolvida pela Organização Mundial de Propriedade Intelectual, Universidade de Cornell e Insead, a inovação tem se convertido em elemento fundamental para a estratégia das empresas e para estratégias de crescimento dos países. Atualmente, o cenário é especialmente complexo, pois a crise fiscal prejudica os investimentos em inovação no brasil e no mundo. O nível público de investimento em P&D é menor do que há 20 anos, e muitas das políticas de estímulo e financiamento à inovação estão diminuindo ou com risco de serem suspensas. Diversas dessas políticas trazem como benefícios, inclusive, a interação e a consolidação de parcerias e projetos de inovação entre empresas e universidades.
Pesquisa desenvolvida pela McKinsey & Company em 2020 com líderes de empresas constatou que diversas empresas estão deixando de priorizar inovação para minimizar riscos e por estarem à espera de tempos melhores. Com isso, houve decréscimo no foco prioritário à inovação entre executivos de quase todas as indústrias – a exceção foi da indústria farmacêutica -, representando um decréscimo de 32% em comparação com o nível pré-pandemia. A pesquisa apontou também que as empresas podem obter vantagens de longo prazo ao compreenderem as mudanças e as oportunidades que as crises apresentam. As empresas que mantiveram seu foco em inovação durante a crise de 2009 emergiram mais fortes, superando o mercado em 30% nos três ou cinco anos após a crise.
Há várias décadas, diversos países têm tentado estimular a interação entre a academia e indústria para fomentar projetos de inovação. O mundo inteiro tenta fazer essa cooperação funcionar porque ela é boa para ambos os lados. A publicação “Inovar é desenvolver a indústria do Futuro: 30 Casos de Inovação de Pequenas, Médias e Grandes Empresas”, desenvolvido pela MEI – Mobilização Empresarial pela Inovação, apresenta diversos casos bem-sucedidos de empresas que inovaram no Brasil.
Na publicação, a maioria dos casos de sucesso de fomento à inovação teve início e foi consolidada com parcerias com as universidades. E todos começaram com desenhos de protótipos, que depois se desenvolveram e escalaram. Novas soluções técnicas, novo embasamento científico ou a redefinição de modelos de gestão foram desenvolvidos por meio de parcerias com universidades.
A inovação é feita na empresa, porque é ela que comercializa a inovação. Mas as empresas não vivem sozinhas: estão inseridas num ambiente com infraestrutura tecnológica, provedores de soluções, universidades, reguladores, fornecedores e clientes. Estes atores precisam dialogar entre si para fortalecer ecossistemas de inovação regionais, por mais que suas missões e objetivos sejam diferentes.
A empresa quer atuar em determinado ramo de negócio. Por sua vez, a universidade tem como missão formar um grande número de pessoas. Enquanto os gestores nas empresas precisam bater metas de desempenho de projetos e de faturamento de seus produtos e serviços, os professores na academia são avaliados pela quantidade de artigos que escrevem. Os tempos da indústria são mais imediatos e as universidades pensam mais a longo prazo. E a pandemia reforçou a necessidade de todos cooperarem. A combinação entre estes grupos de atores pode acelerar desenvolvimentos e novas descobertas.
No entanto, nem tudo é um mar de rosas na parceria entre universidade e empresa. O Brasil apresenta baixo número de doutores nas indústrias. 95% dos doutores do Brasil estão nas universidades e somente 1,7% nas empresas. Nos EUA, 60% dos doutores com formação em engenharia trabalham em empresas. Levar talentos da academia para a indústria pode ajudar a enriquecer a rede da própria empresa. Essa relação não precisa ser complexa. Promover o contato informal de empresas com professores, organizar visitas a conferências, simpósios e reuniões científicas pode ser muito produtivo para ambos.
Além disso, ainda há expressiva desconexão nas publicações acadêmicas. “Por incrível que pareça, no Brasil, apenas 1% dos 250 mil papers apontados pela pesquisa da Clarivate Analytics tiveram participação da indústria em sua geração. Isso significa que há uma falta total de conexão entre o desenvolvimento de conhecimento, a relação com a empresa e a geração de inovação”, afirmou Antonio Vilela, Diretor-superintendente da Schweitzer-Mauduit do Brasil e presidente regional da Firjan Sul Fluminense, no webinar “Conexão Academia-Indústria: diálogo que gera inovação e soluções para a sociedade” , realizado pela Casa Firjan.
Há diversos esforços sendo feitos para aproximar as agendas da academia e das empresas e fomentar inovação no Brasil. A Capes – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior -, por exemplo, passará a incluir em seu processo de avaliação indicadores que pontuem positivamente os programas de pós-graduação que foquem em fatores como a interação com o setor produtivo regional e impacto social. As grandes empresas, por sua vez, têm realizado uma série de desafios e projetos com a academia por meio de possibilidades criadas a partir da Lei da Inovação e do Marco Legal da Ciência, Tecnologia e Inovação Brasileiros.
Com a pandemia, diversas empresas estão perdendo o medo de compartilhar suas dores e desafios com a academia e esta, cada vez mais empenhada para resolver problemas relevantes e complexos da sociedade. Para avançarmos rumo a um desenvolvimento mais competitivo, resiliente e menos desigual, a agenda de cooperação precisa, de uma vez por todas, incluir a parceria entre universidades e empresas.
Coluna escrita em parceria com Antonio Pedro Lima, profissional da Gerência de Ambientes de Inovação da Firjan e doutorando no Instituto de Economia da UFRJ.
Julia Zardo,
Gerente de Ambientes de Inovação da Firjan e professora de empreendedorismo da PUC-Rio. PhD em Políticas Públicas, Estratégia e Desenvolvimento pelo IE – Instituto de Economia da UFRJ. Mestre em Comunicação e Cultura pela ECO – Escola de Comunicação da UFRJ.