Às vezes exaltado como polo da inovação, centro de formação de talentos e referência de cultura, o Rio de Janeiro também é muito reconhecido por suas desigualdades.
Usando dados do Dados do Ministério da Cidadania, vimos que em janeiro de 2021, 15,1% da população do estado do Rio estava em situação de pobreza extrema (abaixo de R$ 89 per capita, por mês), um quantitativo equivalente a 2,61 milhões de cidadãos fluminenses. Quando consideramos tanto a população pobre quanto a extremamente pobre (ou seja, todos os que têm renda mensal per capita abaixo de R$ 178), chegamos a um contingente de 3,10 milhões de pessoas no estado, o que equivale a 17,8% da população. É muita gente.
Mas a concentração de pobreza e o problema da fome no Rio são recentes? Não. É preciso usar toda eficiência, trabalho em conjunto, senso de urgência e responsabilidade, o papel relevante das empresas e a auto-organização da sociedade para resolvermos nossos problemas também no longo prazo. Ao longo do mês de abril, diversas falas em algumas reuniões e eventos me chamaram muito a atenção. Esta coluna é dedicada a elas.
“Em alguns lugares do Brasil, a fome chegou antes da pandemia.” Quem mostrou esse panorama foi Daniella Raimundo, uma das cofundadoras do Movimento União Rio, movimento da sociedade civil, engajado em mitigar os impactos da fome em diversas comunidades no Rio de Janeiro, desde o início da pandemia. Dados do Instituto Locomotiva, Data Favela e CUFA mostram que, nas favelas, 80% das famílias estão sobrevivendo com menos da metade da sua renda de antes da pandemia. Também afirmam que, para 76% dos moradores de favela, faltou comida pelo menos 1 dia durante a pandemia.
“Não teremos empresas saudáveis em uma sociedade doente.” Eduardo Eugenio Gouvêa Vieira, Presidente da Firjan, liderou o engajamento da Federação das Indústrias do Rio na campanha Sesi Cidadania Contra a Fome, lançada no dia 14 de abril. A campanha foi germinada numa reunião do Conselho Estratégico da Casa Firjan, que reúne empresários, pensadores, professores, artistas e gestores públicos.
O papel social da empresa, o impacto que elas podem gerar na vida das pessoas e em uma cidade não está só na geração de empregos e no pagamento de impostos, mas no envolvimento no tecido social do território, tendo participação protagonista na promoção da qualidade de vida das pessoas.
Além da Firjan, temos visto empresas e empresários se aliando a movimentos da sociedade para resolver esse problema urgente. Um exemplo é a associação entre Gerando Falcões e Fundação Lemann.
Não é o core business destas empresas e empresários encarar o desafio da fome, porém o chamado foi tamanho que eles têm suspendido suas agendas para empreender novas ideias, novas campanhas, desafios de captação, matchfunding para ajudar no desafio da fome. Estão juntos com outros agentes mobilizadores da sociedade, como lideranças sociais, influenciadores digitais – e tudo feito de forma rápida e eficiente, com recursos e cestas básicas chegando na ponta.
Durante uma edição do Pensa Rio, programa da Firjan com seu Conselho Estratégico, e uma dessas iniciativas para pensar e agir pelo Rio, aprendemos com Raull Santiago, fundador e CEO da BRECHA Hub de Favela e líder comunitário no Complexo do Alemão, que hoje existe um Gabinete de Crise do Alemão, iniciativa de coletivos locais. Essa forma colaborativa para pensar e agir deve ser perene.
Precisamos criar uma visão compartilhada do futuro que queremos para o nosso estado e para o nosso país. Estamos conseguindo mobilizar e pautar as agendas para a urgência da fome. Conseguiremos essa mobilização para projetos protagonistas de desenvolvimento?
O Rio de Janeiro tem várias bolas e oportunidades quicando nesse jogo, mas temos que combinar e chutar, com todo o time, para o mesmo lado.
Julia Zardo,
Gerente de Ambientes de Inovação da Firjan e professora de empreendedorismo da PUC-Rio. PhD em Políticas Públicas, Estratégia e Desenvolvimento pelo IE – Instituto de Economia da UFRJ. Mestre em Comunicação e Cultura pela ECO – Escola de Comunicação da UFRJ.