Já falamos aqui sobre as diferentes definições teóricas da criatividade e o transbordamento de sua compreensão, mas hoje a discussão vai contar com alguns elementos extras. Ainda no fim do ano passado um painel do Congresso Internacional em Criatividade e Inovação, promovido pela Associação Brasileira de Criatividade e Inovação (Criabrasili), mobilizou 4 participantes (inclusive eu) a debater a economia criativa no Brasil – desafios e perspectivas. Muitas ideias e percepções acerca desse tema rolaram e entendemos ser mais do que necessário compartilhar com vocês um pouquinho do que foi a discussão.
Há quem diga que criatividade não se treina, se liberta. E as pessoas que conseguem extravasar esse poder de criar, seja na elaboração de produtos ou novos projetos nas empresas, seja na resolução de problemas do dia a dia, acreditam especialistas, têm mais chances de se conectar com a sensação de pertencimento. Com a autoestima.
Segundo a Lions Creativity Report 2021, ranking de excelência criativa em comunicações, o Brasil foi considerado o terceiro país mais criativo do mundo. E por que, mesmo diante desse reconhecimento, nós não conseguimos traduzir a nossa criatividade em valor? Em geração de renda? Em novos olhares para empresas e indústrias?
É urgente a necessidade de transformar o potencial criativo do povo brasileiro em valor agregado e mais inovação para empresas e o caminho pode ser bem menos distante do que se imagina. É olhar para o lado, explorar a riqueza multicultural e viva escondida em cada território do país e, principalmente, criar um contexto de confiança para que a criatividade emerja.
Medellín, na Colômbia, é um ótimo exemplo para nos inspirarmos. Em um intervalo de aproximadamente 30 anos, a cidade deixou o posto de mais violenta, com 380 assassinatos para cada 100 mil habitantes (20 vezes mais que o registrado no Rio de Janeiro em 2017), para se tornar uma das mais inovadoras do mundo, conforme o Wall Street Journal e o Urban Land Institute. O segredo? Investimento no tripé educação, cultura e urbanismo social. Mas não é só isso: um olhar criterioso para as comunidades e a consequente participação da população local nas decisões, através de rodas de discussão e muita, mas muita escuta.
Medellín é um exemplo assertivo de que não se desenvolve territórios vítimas da desigualdade social e violência somente com carro blindado. O desenvolvimento acontece a partir do momento em que os habitantes daquela região também ganham protagonismo e condições de explorarem seus talentos, de expandir, empreender. De serem, afinal de contas, criativos.
Aos poucos, o Rio de Janeiro tem investido em projetos de revitalização do centro. Diferentes movimentos pautam a recuperação urbanística, cultural, social e econômica dessa região com o objetivo de atrair novos moradores e ainda ativar espaços públicos através da arte. Se essas iniciativas, de fato, forem adiante e trabalharem em conjunto com estado e investidores privados, a cidade, a economia e a população só têm a ganhar.
Não muito longe, em Porto Alegre, já tem gente reverberando um movimento parecido. O POA Inquieta é um coletivo de quase 3 mil membros que se organiza de forma colaborativa com o objetivo de desenvolver a realidade local. Por meio de grupos que trabalham temas como economia criativa, turismo, segurança pública, empreendedorismo social, mobilidade, resíduos, entre outros, o coletivo articula pessoas que tornam a informação acessível e evidenciam boas práticas àqueles que nem sempre tem acesso.
“Eu posso não saber se a responsabilidade sobre um determinado problema que a cidade tem é da prefeitura ou de outro órgão, mas isso não me exime de participar da solução. A forma de resolver deve incluir o cidadão”, diz o fundador do POA Inquieta, Cesar Paz.
A ideia, portanto, é furar a bolha, desenvolver espaços aonde políticas públicas não chegam e incentivar que a comunidade não fique só lá. Que vá para o centro, participe ativamente da vida da cidade e, acima de tudo, sinta-se parte.
Do outro lado do oceano, o Cria Cascais, em Portugal, é um exemplo que mostra como iniciar um projeto e resolver problemas da comunidade. Através de eventos, dinâmicas e experiências interdependentes, funcionários do município e população interessada no desenvolvimento do território trabalharam, ainda em 2015, em desafios envolvendo comércio local, turismo ativo, promoção cultural, entre outras temáticas. À época, a cidade havia se comprometido com as Nações Unidas a ser reconhecida como Smart City até 2030.
“Nosso papel foi de ajuda prática e criativa para transformar intenção em projetos capazes de serem desenvolvidos por equipes colaborativas e transdisciplinares permanentes. Acho que fomos bem-sucedidos no nosso “empurrão”. Cascais hoje é reconhecida como uma região inovadora e sustentável”, afirma Rique Nitzsche, um dos facilitadores da iniciativa.
Nada acontece por acaso. Medellín, Cascais chegaram aonde chegaram porque houve uma estratégia dos gestores que reconheceram seus ativos e trabalharam para, em primeiro lugar, ouvi-los e, posteriormente, fortalecê-los.
A exemplo do que já começa a acontecer em POA é possível afirmar: o Brasil tem todo esse potencial. Para começarmos a elaborar um plano em que a economia criativa tenha condições de alcançar esse estágio de profunda transformação, é necessário fortalecer a autoestima do brasileiro e desconstruir a visão – fruto de uma construção social – de que somos “menores”. O famoso complexo de vira-lata, já diria Nelson Rodrigues.
Se criatividade é se libertar das amarras e criar, inovação é realizar. E somente com uma governança colaborativa e a união dos mais diferentes atores da sociedade é que chegaremos lá. Nada mais bonito, afinal, do que um povo que sabe de onde veio, reconhece sua identidade e entende a criatividade local como fator fundamental para o seu desenvolvimento.
Este artigo foi assinado em parceria com:
Natany Borges, Jornalista e Especialista de projetos da Casa Firjan;
Luís Villwock, Especialista em Territórios Inovadores (PUCRS/TECNOPUC);
Rique Nitzsche, Facilitador de Design and Business Thinking and Doing;
Edson Banzai Matsuo, Cofundador da Matsuo+CO – Design para Sustentabilidade Sistêmica.
Cleiton Chiarel, diretor do Instituto Soleil de Pesquisa (INSPE) e articulador do PoaInquieta