O contrabando que mudou o mundo – PARTE 1
A Lei que mudou o planeta, glamurizou a Máfia e transformou criminosos em lendas eternas
É comum nos dias atuais vermos camisetas estampadas aos montes com figuras lendárias e históricas. Che Guevara, Don Corleone, Bonny & Clyde, Al Capone e tantos outros personagens reais que, de algum modo, mudaram a vida das pessoas com suas proezas, ambições e loucuras impensáveis nos dias atuais.
Este ano é celebrado (se assim posso dizer), o centenário da Lei Volstead, ou simplesmente a 18ª emenda Americana, popularmente conhecida como “Prohibition”, que mudou e ditou os rumos econômicos e sociais do mundo que vivemos atualmente.
A famosa e cinematográfica Lei Seca Americana durou de janeiro de 1920 até dezembro de 1933. Foram 13 anos de proibição absoluta para produção, importação, exportação e consumo de qualquer bebida alcoólica em solo americano. Um divisor de águas para o mundo. Mas, pra poder contar e entender essa história como ela aconteceu, preciso voltar alguns bons séculos atrás e explicar outra história. Como nasceu a Máfia.
Apesar de todas as pessoas do mundo acreditarem que Máfia é sinônimo de extorsão, corrupção, assassinatos e afins, ela surgiu no sul da Itália na época medieval. Seus membros eram agricultores proprietários de pequenas terras. Com o passar do tempo viram que eram vulneráveis aos poderosos senhores feudais, donos de grandes latifúndios, os quais usavam de atos criminosos para obter as terras dos demais. Diante de tanta ameaça, vários camponeses se uniram e lutaram juntos para vencer os poderosos feudalistas. No decorrer dos anos, várias pessoas se juntaram aos camponeses com o mesmo intuito de se proteger, foi então que começaram a sistematizar um esquema de proteção e de expansão de negócios, depredando o gado e as plantações dos quais não pagassem. Quem quisesse evitar esse vandalismo deveria fazer um acordo com a máfia. Da Itália, a indústria da “proteção forçada” se espalhou para o mundo inteiro, em especial para os Estados Unidos.
A trilogia O Poderoso Chefão, dirigido por Francis Ford Coppola, baseado no livro escrito por Mario Puzo, é uma das mais aclamadas e importantes franquias da história do cinema. A trilogia conta a história da família mafiosa Corleone de 1945 até 1979 e do crescimento da máfia nos Estados Unidos e transformou Marlon Brando numa lenda.
O álcool sempre foi uma pedra no sapato da sociedade americana. Documentos históricos relatam que desde sua colonização, os EUA possuem uma ligação de amor e ódio com o elixir da vida. Dos coubóis do meio oeste aos soldados da Guerra Civil, toda a coragem e virilidade da nação, teve, direta ou indiretamente, ligação com o álcool. O cinema americano romantizou o consumo, enquanto que conservadores e religiosos depositavam todos os males e chagas da sociedade no consumo abusivo de álcool.
A Lei Seca aprovada em 1920 nascerá 100 anos antes de sua ação. Antes mesmo da Guerra Civil, grupos de mulheres protestavam contra seu consumo, alegando que o álcool alterava os sentidos de seus companheiros e todo tipo de agressão, xingamentos, divórcios (o que era inaceitável na época), e assassinatos domésticos. Tudo tinha o álcool como o grande vilão.
Durante mais de 100 anos, parte da sociedade americana, tentou, em vão, aprovar leis que proibissem o álcool no país. Condados, cidades e até alguns estados tentaram aderir aos movimentos anti álcool, mas nenhum com grande efeito ou duradouro. O consumo sempre prevaleceu.
Depois de atravessar o oceano atlântico, a Máfia estabeleceu-se nos subúrbios de cidades como Nova York, Chicago e na Flórida. Nada era muito organizado. Nascidos na Itália ou ítalo-americanos, (descendentes nascidos nos Estados Unidos), na maioria jovens e pobres, viviam nas ruas em busca de oportunidades de ganhar dinheiro. Pequenos furtos, brigas de rua, apostas em diferentes jogos, prostituição, agiotagem, contrabando de mercadorias como cigarros e vinhos eram comuns no dia a dia.
Estava chegando o século XX, e com ele toda a revolução industrial. Estradas de ferro cortavam o país trazendo minério de ferro para as construções dos arranha céus que até hoje monumentam a geografia americana. Imigrantes europeus chegavam aos milhares à terra da liberdade e com eles traziam o sonho da prosperidade. Vivendo em verdadeiros pardieiros nos subúrbios das grandes cidades, os imigrantes italianos trabalhavam em pequenos comércios, na construção civil e nos portos. Eram trabalhos braçais por muitas e muitas horas diárias, com pouca ou quase nenhuma remuneração. Nem todo mundo conseguia sobreviver nessas condições e o crime, fora uma das opções de sustento.
Na virada do século XX, pequenos grupos de imigrantes e seus filhos, (já nascidos em solo americano), organizavam se por ruas, cortiços ou pelo bairro de residência. Geralmente eram grupo de jovens, em busca de prosperidade. Roubo de cargas de alimentos e bebidas eram comuns nos portos. As estações de trem sofriam ataques também. Os produtos mais visados eram bebidas alcoólicas, grãos e farinha. Tudo revendido no bairro aos comerciantes locais. Destes delitos iniciais, os grupos passaram a não só vender as mercadorias roubadas, como passaram a exigir que os comerciantes locais comprassem as mercadorias somente de um grupo específico, caso contrário sofreriam represálias como agressões em público, ameaças a seus familiares e ainda corria o risco de ter seu comércio saqueado ou incendiado.
Nascia a Máfia italiana, siciliana, em solo americano. Comerciantes passaram a “pagar”cotas mensais de proteção aos grupos locais. A cada pagamento, a garantia de “sossego”, uma vez que seu estabelecimento não sofreria represálias de mafiosos rivais, nem tão pouco seria importunado por seus protetores. Bastava pagar.
Lei Seca – treze anos de alegria clandestina
O tempo passou e milhares de imigrantes viviam sob estas condições. Mafiosos como Lucky Luciano, Vito Genovese, Begsy Siegel e o lendário Al Capone, entre tantos dezenas de outros contraventores, mudaram nossas vidas para sempre. Jogos de azar, prostituição, contrabando de drogas, armas, extorsão, corrupção, furtos, assalto a banco e tantos outros crimes estavam sendo praticados pelos grupos destes mafiosos. A briga entre os grupos era cada vez maior pelo território. Quanto mais espaço, mais dinheiro. Mas estes territórios eram conquistados na bala. Dezenas de assassinatos semanais eram comuns. Corpos engravatados eram recolhidos quase que todos os dias nas vielas de cidades como Chicago e Nova York.
Depois de quase cem anos de lutas, o congresso americano não teve outra saída, senão atender ao pedido das ruas, e em janeiro de 1920, aprova a Lei Seca Americana. A lei durou 13 anos, o suficiente para criar uma das maiores e mais bilionárias organizações criminosas, livre de impostos – A Máfia Ítalo Americana.
Al Capone controlava a cidade de Chicago, enquanto que o chefão Lucky Luciano comandava a “Cosa Nostra” dentro de seus cassinos clandestinos espalhados pela Big Apple.
Com a proibição, veio a maior e mais lucrativa oportunidade de enriquecimento ilícito que se tem história. Cervejarias americanas foram adquiridas por preços muito abaixo do mercado pelos mafiosos, que viram na Lei Seca, sua prosperidade. Rum da América Central, whisky do Canadá, Bourbon do Kentucky e Teennesse, passaram a abastecer os bares clandestinos, famosos “speakeasys”, onde infringir a lei era glamuroso. A alta sociedade frequentava cassinos e speakeasys clandestinos todos os dias. A coquetelaria que conhecemos e usamos até hoje nascera na clandestinidade.
Em pouco mais de cinco anos da vigência da Lei Seca, estima se que existiam mais de duzentos mil bares e cassinos clandestinos em franca operação nas principais cidades americanas. Tudo livre de impostos. Era uma máquina milionária e assassina, na mão de apenas cinco famílias.
Neste universo, o maior de todos os mafiosos foi, sem dúvida, Alphonse Gabriel “Al” Capone. Homem de negócios e gângster que liderou um grupo criminoso que geria todo tipo de atividade criminosa. Capone foi Co-fundador do Chicago Outfit (que no seu tempo, foi o maior expoente da Máfia no meio Oeste dos Estados Unidos), é considerado por muitos como o maior gângster da história americana. Al era conhecido no seu círculo íntimo pelo apelido de Scarface (“Cara de Cicatriz”), devido a uma cicatriz em seu rosto, que obteve em uma briga na adolescência.
Mas esta história é longa e rica em detalhes que não pode ser contada somente em uma única crônica. Continua…
Cheers