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Lelo Forti

Por Lelo Forti, mixologista Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
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Pipoca, cobertor e drinques: as misturas etílicas para espantar o frio

O inverno pede passagem, trazendo a vontade de aquecer garganta e alma; para tanto, nada melhor que bebidas atemporais, misturas esquecidas ou releituras

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Atualizado em 15 jul 2022, 14h32 - Publicado em 15 jul 2022, 08h00
blood-mary-stuzzi
Stuzzi: carta de coquetéis dos bartenders Alex Miranda e Lelo Forti (./Divulgação)
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Não sei você, mas eu tô sentindo um frio mais intenso que a normalidade soprando neste inverno. Como bom gaúcho, acostumado ao clima congelante e a temperaturas abaixo de zero, pode até parecer normal, mas o amanhecer e o entardecer cariocas estão bem gelados mesmo. O cobertor, antes usado raramente na cidade, tem insistido em morar no sofá. Tem sido companhia da pipoca, filmes, séries e, claro, dos drinques.  Para segurar esta onda frozen que insiste em soprar, sem falar daqueles dias chuvosos e cinzentos, recorremos a hábitos que fazem parte da nossa cartilha familiar. Chás, café, chocolate quente, sopas, fondue, vinhos e destilados são companhias inseparáveis das pessoas quando o frio aperta. Mas existe uma parcela de pessoas considerável (e que não para de crescer) que busca nos bares e restaurantes aquele drinque que aqueça a alma e alimente o coração. Ao lado deste romantismo Belle Époque, temos muita história e muitas misturas.

Embalada pelas festas juninas, esta época do ano traz à tona aquelas receitas que prometem driblar o friozinho que insiste em nos rodear. De comidinhas mais quentes a drinques mais robustos, a intenção é espantar o frio e ainda saborear muita gastronomia e bebida. Mais um motivo que achamos para nos reunir e celebrar, mesmo que isso signifique sair de casa mais agasalhados do que o normal. Vale o sacrifício.

Como não amar as batidinhas do Bar do Osvaldo, recentemente reinaugurado no mesmo lugar, no largo da Barrinha, após um terrível incêndio. Amendoim, coco, maracujá são as minhas favoritas. Como não frequentar religiosamente, por exemplo, o badalado boteco Galeto Sat’s, que tem no bordão do icônico Sérgio Rabello, “Serjão” para os mais chegados,  “meu compromisso é com quem bebe”. É  a chave da hospitalidade, que inclui centenas de rótulos de cachaça e uma farofa de ovos de comer rezando. Estão inaugurando o terceiro bar em breve na Barra da Tijuca. Em tempo: Lá você se aquece do frio de três maneiras: bebendo, comendo e sendo abraçado por este espírito de hospitalidade. DNA do Serjão, proprietário e dono da receita de coração de galinha na brasa mais espetacular do universo. Experimente acompanhado de uma cachaça Bem Me Quer envelhecida em Amburana. Divino.

Sangue de Maria

Mas e os drinques? Quais são as misturas mais badaladas e consumidas por onde quer que o frio resolva aparecer? Muitas são as bebidas que, juntas, podem amenizar o sofrimento. Desde bebidas autorais como, por exemplo, o “Pancettoni” do Stuzzi Gastrobar. Uma releitura do centenário Negroni, porém com uma infusão de bacon que traz muito sabor defumado, além de ser apreciado com crispie de presunto Parma. Mama Mia. Tem ainda um leque imenso de clássicos Old School que podem ser apreciados e são muito bem vindos nesta época. Boulevardier, Oldfashioned, Manhattan, Dry Martini, além do famoso Negroni são cartilhas clássicas infalíveis. Basta gostar de sabores mais amargos, potentes e com toques de duçor, que tudo se resolve. Sugiro acompanhar estes drinques com pratos à base de muita proteína, uma aquela massa artesanal ou, ainda, aquele sanduíche de pastrami bem suculento. Deu água na boca…

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Outros drinques me chamam muita atenção e requerem um detalhamento mais aprofundado. Casos do Blood Mary e do quase esquecido, porém maravilhoso, Bull Shot. Sou fã!

No caso da “Maria Sangrenta”, além de uma receita complexa, acompanham este drinque à base de vodca e suco de tomate as lendas e historias em sua volta. Muitos apaixonados afirmam que Blood Mary é a tradução perfeita para descrever a rainha Mary Tudor, que durante a Idade Média promovera uma sangrenta perseguição contra o protestantismo, mandando decapitar seus desafetos religiosos. Os mais céticos, porém, defendem que nada mais é do que um nome dado a um coquetel pastoso e vermelho, assim como o sangue que corre em nossas veias. O fato é: temos uma mistura cheia de personalidade sim, forte como uma rainha deve ser, e revigorante como esperamos que todo elixir seja. O segredo aqui é usar um suco de tomate de extrema qualidade. Quanto mais cremoso, mais saboroso. Completa-se a receita vodca, molho inglês, sal, pimenta tabasco, pimenta do reino e um generoso talo de aipo, o mesmo que salsão. Mas fiquem atentos, pois existem muitos bares oferecendo esta maravilha com diferentes temperos e sabores. É comum finalizar este drinque com borrifadas de fumaça líquida (faz toda a diferença), ou ainda acrescentar azeites, shoyo, barbecue, água de azeitonas, sal grosso e por ai vai. Peça ao seu bartender de confiança um Blood Mary. Com certeza ele vai te entregar algo único e feito conforme seu paladar exige.

Caldo de carne etílico

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Para revigorar e realmente curar a ressaca, nada melhor que muita água de coco, água natural, chás gelados e uma infinidade de outras fórmulas que TODO mundo tende a receitar e praticar. Na maioria dos casos, (experiência própria de longos anos), tudo conversa fiada. Uma receita que nunca falha na cura do dia seguinte é a de um  BULL SHOT muito cremoso, cheio de sabor e bem picante. Alias, o drinque nasceu para combater o frio oceânico inglês e foi criado pelos marinheiros em pleno alto mar, que recebiam, diariamente, uma cota diária de rum, além de um forte caldo de carne para se aquecerem do frio congelante e combater resfriados e outras tantas doenças. Quando a mistura chegou em terras inglesas, o rum deu espaço à vodca, pelo fato de a bebida russa possuir sabor neutro. Sem saber, esses marujos criaram uma das melhores receitas cura ressaca da história. Essa maravilha, prima do Blood Mary, quase está com seus dias contados, infelizmente. Popular no velho mundo até meados do século passado, esta lentamente desaparecendo sem deixar rastros.

Por aqui até já tivemos alguns lampejos de consumo. Mas, hoje, é uma epopeia romana achar quem sequer conheça ou saiba fazer. Para os bartenders mais atuais, é Tom Cruise: Missão Impossível. Vodca, suco de limão fresquíssimo, tabasco, sal, pimenta do reino em pó e um caldo de carne bovina muito bem preparado e temperado. O DNA do drinque e seu irresistível sabor, vem de um complexo e extraordinário consomê, obtido a partir do cozimento de carne, durante muitas e muitas horas. Talvez essa trabalheira toda seja a grande vilã para que esta maravilha tenha praticamente sumido dos cardápios brasileiros. Outro motivo: falta de conhecimento dos bartenders. Imperdoável. E que os anjos etílicos perdoem tamanha ignorância.

Se Marlon Brando vivo estivesse e visitasse o Rio de Janeiro, com certeza ele iria se hospedar na Gávea, onde habita, desde 1981, o restaurante Guimas. A justificativa é bem simples: no Guimas ainda se faz um legítimo BULL SHOT, com todas as honras e cozimentos necessários; E, pasmem: praticamente desde sua inauguração o drinque é feito pelas mãos do incansável barman José Francisco Vasconcellos, o Zequinha. É dele, diariamente, a responsabilidade de supervisionar a construção do consomê, e elaborar o drinqie que tem muitos adeptos que atravessam a cidade em busca desta maravilha nascida pelos sete mares.

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O premiadíssimo chef Elia Schramm, proprietário do badalado @babboosteria, em Ipanema, me confessou o segredo de um caldo de carne infalível: “tostar a carne, sem queimar, e caramelizar os legumes trazendo um equilíbrio da doçura”. Apesar de ser “off label”, é possível saborear um Bull Shot no balcão do Babbo. A bartender Mariana Buriti, responsável pelas coqueteleiras da casa, tem uma receita autoral que adiciona, além dos ingredientes tradicionais, molho ponzu, fumaça líquida (olha ela aqui de novo), e um toque de tomate. “Não está na carta, mas quando pedem, eu amo fazer”. Revela.

Seja um clássico da moda ou de vanguarda, um drinque apimentado ou encorpado, uma cachaça envelhecida ou uma batidinha tradicional, não importa. O frio pede passagem, e com ele a vontade de aquecer garganta e alma. Para tanto, nada melhor que bebidas atemporais, misturas esquecidas ou releituras contemporâneas. Procure pelo seu bartender e exija um Bull Shot ou explicações.

Cherrs

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