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Lu Lacerda

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Jornalista apaixonada pelo Rio

De Próprio Punho, por Aline Midlej: “Não podemos trair nossa essência”

"Ao escrever essas linhas, a sensação imensa de sentido que tive volta com muita força"

Por lu.lacerda
Atualizado em 7 dez 2024, 11h06 - Publicado em 7 dez 2024, 07h00
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 (Wanessa Soares/Divulgação)
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Quando chegou a vez dela, disse-me com os olhos mareados: “Quando tínhamos 12 anos, você sempre dizia que queria melhorar o mundo, lembra? E olha onde estamos quase trinta anos depois”. Sorri, desconcertada, e ainda absorvendo a alegria de reencontrar uma amiga de infância depois de muitos anos. Ela comprou vários exemplares do meu livro “De Marte à favela: como a exploração espacial inspirou um dos maiores projetos de combate à pobreza do Brasil” (Editora Planeta). Com antecedência, enviou-me registros disso, fez campanha nas redes sociais, antes do lançamento no Rio de Janeiro. Ao escrever essas linhas, a sensação imensa de sentido que tive volta com muita força. E não há sentido sem afetos reais. Não há nada mais poderoso do que o sentimento; somos isso, precisamos disso.

Ainda muito nova, também, quando comecei a me interessar pelas letras, pelas pessoas e pela comunicação, uma frase célebre da poetisa goiana Cora Coralina (pseudônimo de Anna Lins dos Guimarães Peixoto Bretas) se tornou um mantra: “Nada do que vivemos tem sentido se não tocarmos o coração das pessoas”. Nem sempre o caminho pra isso será suave, em especial num país desigual como o Brasil, com tanto a ser iluminado para que todos tenham condições de sentir e seguir com seus desejos. Muitas vezes, será preciso contundência, com alguma dureza e indignação, para tocar o coração das pessoas. E talvez elas ainda não concordem com você, mas, inevitavelmente, estarão confrontadas e pensarão. Foi por sentir muito o mundo, as pessoas, as realidades diferentes que me cercavam, que o jornalismo me capturou.

No alto do meu privilégio social, mas da minha condição racial também, sempre quis entender como as coisas são e, principalmente, como podemos ampliar nossa consciência sobre processos políticos, históricos e sociais. Hoje, olhando pro primeiro livro que escrevi, e que acaba de ser lançado, realmente não poderia ser diferente essa estreia na literatura, ao me aliar com uma mente e coração inquietos como os meus. O empreendedor social Edu Lyra disse que, desde o início do processo, quando decidiu escrever sobre o Favela 3D, o mais ambicioso projeto de combate à pobreza da ONG Gerando Falcões —  liderada por ele há quase 15 anos e com iniciativas de impacto em centenas de favelas pelo país —, o meu nome sempre foi a primeira escolha. Fiquei lisonjeada e reflexiva. Edu sabia que eu não faria um livro “chapa branca”, mas que seria respeitosa e atenta às pessoas.

Escrever essa obra ao longo de dois anos, vendo e ouvindo tanto, buscando uma linguagem simples, mas bem construída, ampliou meus repertórios, a capacidade e autocrítica construtiva e a renovação de certezas. A principal delas: não podemos trair quem somos como essência, precisamos servir a isso. Sempre e de onde brota a verdade e a excelência do que podemos entregar para a sociedade, a partir dos nossos talentos e ética.

Quando minha filha, Celeste, nasceu, fiz duas tatuagens, que ainda não “publicizei” e o faço, aqui, pela primeira vez. Uma delas é a lançar coerência, escrita em latim no ombro esquerdo. Buscar harmonia entre fala e ação sempre foi um objetivo de vida, mas a maternidade o tornou quase uma missão a ser observada todos os dias.

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E é esse olhar diário que quero provocar nas pessoas, com a leitura do livro que acaba de chegar às livrarias. Não é sobre um projeto social, é sobre o que não estamos fazendo e que enquadrou a miséria como algo natural nos cotidianos brasileiros. Que a leitura mobilize esperanças e ações práticas para que cada um faça o possível pra garantir o mínimo de dignidade a cada brasileiro. Todos ganhamos. O Brasil ganha, com mais oportunidades, menos violência, mais afeto, felicidade, ao final, mais sentido. Como dizia Sartre, o outro se reconhece como ser a partir do olhar do outro. Essa caminhada coletiva é potente pra resgatar nossa humanidade, que tem sido tão permissiva com barbáries cotidianas.

O desafio de sensibilizar se amplia nestes tempos, com as redes sociais movidas por algoritmos manipulados, e uma intolerância cada vez maior pra escuta e diálogo. Contudo, não desanimo. Há mais em comum entre nós do que imaginamos. Vamos sentir?

Aline Midlej é jornalista. Apresentadora do Jornal das Dez, na Globo News, ao aparecer na tela, com talento e mecânica corporal, dificilmente você conseguiria mudar de canal, mais ainda se ela falar de improviso. Autora do livro “De Marte a Favela: como a exploração espacial inspirou um dos maiores projetos de combate à pobreza do Brasil”. Pós-graduada em Ciências Humanas, é embaixadora do Movimento LED, uma iniciativa da TV Globo que mapeia projetos de sucesso na educação. Pelo trabalho desenvolvido, já recebeu premiações, como o Vladimir Herzog de Direitos Humanos, Prêmio Esso e Troféu Mulher Imprensa. Mais recentemente, foi reconhecida como a jornalista negra mais admirada do país, numa premiação do portal Jornalistas&Cia.

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