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Lu Lacerda

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Jornalista apaixonada pelo Rio

Dono de casarão no Centro: “A turma anda se esquecendo de nós, Dudu”

Jornalista Alexandre Schnabl mora ao lado da Sociedade de Medicina e Cirurgia do Rio, que desabou dia 8 de março

Por lu.lacerda
Atualizado em 22 mar 2025, 17h43 - Publicado em 22 mar 2025, 07h00
alexandre
 (Renato Wrobel/Divulgação)
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Tá foda, Dudu, tá punk! Ia começar esta carta por alguma coisa mais formal, tipo “Senhor Prefeito” ou “Prefeito Eduardo Paes”, mas aí lembrei que nós aprendemos a curtir você não só pela competência, mas também pelo jeito de quem se parece com a gente, inclusive pelo estilo bem-humorado de quem faz brincadeira de canguru com delegação olímpica australiana ou tira sarro gaiato com senhorinha contemplada com casa própria. Pois é, tá difícil… Voto em você, gosto da sua maneira de gostar da cidade e embarquei fundo na ideia de revitalizar o nosso Centro Histórico, trocando a Ipanema de uma vida pela Lapa depois de me encantar por um casarão secular. Mas olha: tá bem puxado! É que, em meio a tantos projetos de revitaliza aqui, revitaliza ali, de retrofitar prédios icônicos tipo a Mesbla para transformá-los em residência, nos moldes do que aconteceu em Nova York ou na Berlim unificada, a turma da gestão anda se esquecendo de nós, justo aqueles que optamos por conservar, manter e recuperar o casario histórico que faz parte do patrimônio cultural arquitetônico do Rio de Janeiro.

Há quase duas semanas, quase morri. Se fosse um gato, teria perdido, de uma vez só duas, vidas. É que, para começar, o palacete vizinho à minha casa, aqui na Mem de Sá, ruiu — por abandono dos proprietários (certa Sociedade de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro, fundada em 1886) e omissão do Poder Público. Afinal, quantas vezes a Defesa Civil esteve aqui ao lado, interditando o palacete, botando umas fitinhas aqui e ali para isolar a área, fingindo acreditar que a mesma faixa que serve para ser cortada em inauguração de navio seria capaz de conter invasores dispostos a vasculhar tesouros nesse Titanic de alvenaria à deriva, pondo em risco a vizinhança?

No dia 9 de março, não morri por pouco; eram mais ou menos 18h30. Esperava um táxi na calçada, a poucos metros do palacete, aliás, lindo de morrer (uma pena!), quando a fachada do segundo andar veio abaixo. Cabuuuum! Corri na direção contrária, que nem o diabo foge da cruz, ou melhor, fugia porque, cá entre nós, hoje em dia, tem muito cramulhão colado nela, e, convenhamos, você voltou à cadeira depois de um desses ter transformado o nosso nirvana carioca em uma sucursal lá de baixo. Já o motoqueiro que passava na rua não teve a mesma sorte: foi atingido. Madeeeeira!

No meio do fumacê de poeira, tomei uma saraivada de detritos, que varejaram do impacto, no rosto e no corpo. Dei graças ao nosso bom Deus por não ser influenciador, senão meu rostinho de pêssego poderia ter sido comprometido, com campanhas de beleza indo para o brejo. Sabe, foi padrão Gaza, suponho, ou, no mínimo, no pique das cenas mais tocantes de “O Pianista” (2002), de Roman Polanski, longa que deu o primeiro Oscar a Adrien Brody (“O Brutalista”, 2024), passado nas ruínas de uma Varsóvia devastada pela Segunda Guerra. Em meio a nuvem de detritos, corri pra casa, às cegas. Minha casa teria sucumbido? Quais estragos? A claraboia do meu jardim de inverno resistiu? E minhas plantas no pátio? E as da sacada? Misericórdia! Os pets estariam okay? E meu acervo de material de trabalho, tanto de direção criativa quanto de jornalismo, com registro de mais de 40 anos de bons serviços prestados à Moda Carioca, que estão se convertendo em projetos de livros e exposições que resgatam a memória de um dos setores que mais emprega no município?

Felizmente, não houve maiores danos, ao contrário da casa. Pelo menos por hora e porque agi rápido, ao contrário dos funcionários públicos da Defesa Civil, que se movem a passos de cágado e, quando se mexem, atuam para inglês ver. Nem todos, eu sei. Os bombeiros chegaram logo. O SAMU também, socorrendo o motociclista. Aos poucos, a poeira foi baixando — Lapa deixando de parecer deserto de “Duna”. Daí, o drama: escombros no meu telhado, ameaçando a mim, ao Beto Neves, estilista carioca da gema cujo ateliê fica ao lado do meu estúdio, e ao restaurante debaixo da gente, assim como na casa vizinha ao palacete, no outro lado.

No dia seguinte, o circo: uma turma competente do Departamento de Conservação da Prefeitura, entre eles, o ótimo Pedro, tentava tirar uma viga pesadíssima de um ornato do palacete ruído, além de uma quantidade imensa de detritos, tudo no telhado, enquanto o engenheiro da Defesa Civil (um altão, esqueci o nome) saía canetando a interdição dos nossos imóveis como se nossas vidas pudessem dar “pause”.

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Notícia assustadora 1: os escombros estavam em cima do cômodo onde preservo o acervo de figurinos, com peças icônicas de desfiles de Semanas de Moda, e também sobre meu quarto. Risco de desabar. Se a estrutura da casa não houvesse segurado tudo e eu estivesse ali, poderia ter morrido soterrado. Seria a segunda vida de gato que teria perdido no mesmo carnaval em que o bichano preto de “Flow” saiu do Teatro Dolby, em Los Angeles, com o Oscar nas patas. Para piorar, a grua da prefeitura não alcançava os detritos além da tal viga. Nada a fazer. “Eles que lutem”.

Semana seguinte: modo avião. Trabalho suspenso aqui, parado na confecção do Beto Neves, restaurante de portas fechadas. Todo mundo sem faturar. Impostos chegando, óbvio. Boletos idem. Mutirão geral para liberar o teto, consertar as mais de 200 telhas quebradas, as calhas danificadas, janelas estouradas — para, literalmente, sacudir a poeira. Ainda bem que a gente sabe e quer conservar o casarão; a estrutura não foi danificada. Mas o pior ainda estava por vir: dois dias sem luz porque os cracudos que invadiram o palacete para depená-lo, arrancando os dutos de cobre para ganhar umas pratas, também arrebentaram caixa de energia, deixando a quadra inteira sem luz por dois dias, em meio a um calor africano, obras em curso, e com a Light comendo um dobrado ao esburacar a calçada toda para descobrir de onde vinha a pane. Tentativa e erro. E mais: durante a troca das telhas, temporal. “Águas de Março fechando o verão, com muito pau, pedra e fim do caminho varrendo os imóveis por dentro.

De lá pra cá, aos poucos, tudo (ainda!) vai se assentando. A fila anda. Mas, quem disse que acabou? A mesma turma de invasores que precipitou a ruína de um palacete condenado – mais uma vez, ressalto um perigo por falta de responsabilidade dos proprietários e pela inércia de um Poder Público mais engessado que metro quadrado Dry Wall da Leroy Merlin – continua visitando diariamente o imóvel, se esgueirando para subtrair o que puder enquanto houver o amanhã.

Entre setembro e outubro, passaram a mão no mobiliário. Vamos combinar que, se essa rapaziada não sabe diferenciar um aparador estilo Império de uma cadeira de praia, quem vem receptando sabe distinguir relíquia de velharia. Agora, nesta noite passada, muita marretada e vidro quebrado. Pela janela, o vislumbre: molduras de janelas, corrimãos e afins sendo saqueados, justo na sequência da queda de outro imóvel abandonado, na Rua Senador Pompeu, sinistro que levou à morte um motorista que passava pelo local. Nem dormi direito. O leão cedeu lugar à hiena da Hanna Barbera: “E se essas estruturas que ainda estão de pé tombarem para cá, por conta do carnaval fora de hora desses larápios? Ó vida, ó céus!”.

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Então, Dudu, vai apoiar a gente que aposta em você?

Atualização: O subprefeito do Centro, Alberto Szafran disse à imprensa que a Defesa Civil já começou o mapeamento e a fiscalização dos imóveis em risco.

Alexandre Schnabl é jornalista de moda, cinema e estilo de vida, editor do site Ás na Manga (www.asnamanga.com). Começou como coordenador de estilo no varejo de moda antes de trabalhar no mundo editorial, onde atua desde os anos 1990. 

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O telhado da casa de Schnabl (Alexandre Schnabl/Divulgação)
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A casa antiga e retrofitada do produtor é a de fachada amarela, exatamente ao lado da casa que desabou dia 8 de março
A casa antiga e retrofitada do produtor é a de fachada amarela, exatamente ao lado da casa que desabou dia 8 de março (Alexandre Schnabl/Divulgação)
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(Alexandre Schnabl/Divulgação)
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(Alexandre Schnabl/Divulgação)
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(Alexandre Schnabl/Divulgação)
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Alexandre Schnabl
(Alexandre Schnabl/Divulgação)
Alexandre Schnabl
A sujeira que ficou dentro da casa (Alexandre Schnabl/Divulgação)
Alexandre Schnabl
(Alexandre Schnabl/Divulgação)
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A chuva que entrou pelo buraco aberto no telhado (Alexandre Schnabl/Divulgação)
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