Entrevista com a endocrinologista Isabela Bussade: Ozempic e mais…
"Fico muito feliz com o pronunciamento do Eduardo Paes: mostra sensibilidade e preocupação com a taxa de obesidade alta"

Com o início do ano, chega também a pagação de promessas nunca cumpridas; entre elas, a de ficar em forma até o carnaval, depois de enfiar o pé geral. Como o Rio é frenético, não existe intervalo de festas até março, pelo menos.
Se você se encaixa nesse perfil (praticamente 99% das pessoas), tem evitado subir na balança e conferir os excessos que representam de 2 a 5 quilos a mais no seu peso corporal — tem o espiritual também, sabemos.
Este mês, uma das especialidades médicas mais procuradas é a endocrinologia — os consultórios devem estar lotados. O endocrinologista trata os distúrbios das glândulas endócrinas e dos hormônios que elas produzem para regular diversos processos do corpo, como metabolismo, sono e a resposta diante do estresse — tudo que as pessoas mais procuram.
Sobre essas e outras, a entrevista é com Isabela Bussade, que tem meio-Rio e meia-São Paulo entre seus clientes, digamos assim. Um dos pilares da sua All Clinic é o trabalho interdisciplinar, que faz parte da sua rotina desde 2006, quando abriu a primeira clínica no Rio, cuidando dos pacientes, como ela diz, “de forma 360, pensando junto com eles, não apenas no universo diagnóstico e terapêutico de patologias, mas também na prevenção da sua saúde e qualidade de vida”.
Nas redes, além de informações sobre alimentação e bem-estar, ela mostra um pouco dos seus figurinos — amor antigo à moda, que vem da avó paterna, Nelide Gomes Crespo, quando morava em Campos dos Goytacazes, bem antes da irmã, a influenciadora Silvia Braz (tem ainda outra Bussade, a Maria, médica dermatologista).
Mas Medicina é sua paixão, com entrega e olhar atento. Se fizesse vida social com receituário no bolso, não teria descanso – rsrsrsrs.
Isabela é doutora em Ciências Médicas pela UERJ, tem mestrado em endocrinologia, além de ser professora de pós-graduação na PUC.
1- O que é ter uma vida equilibrada, pelo olhar de um endócrino, e como conquistá-la? Considerando, claro, que as pessoas são completamente diferentes. O que há de mais moderno na Medicina para descobrir o equilíbrio fisiológico, digamos assim?
Uma vida equilibrada é aquela que respeita a fisiologia humana. E, neste momento, é importante dizer que, apesar de termos características fenotípicas que nos aproximam, também temos um “maquinário” interno que nos faz muito diferentes; por isso, as regras de estilo de vida não são absolutas e devem sempre ser individualizadas. Para avaliar a fisiologia humana, há exames utilizados em pesquisa clínica; como exemplos, temos a ressonância magnética funcional, que avalia atividade cerebral; a pletismografia, que avalia a função endotelial; e também exames mais simples utilizados na prática clínica, como dosagem hormonal, polissonografia e questionários avaliados, que são importante instrumento para escanear.
2- O endócrino é um dos mais procurados para emagrecimento (1/5 da população brasileira é obesa), mais ainda no começo do ano, depois das promessas que fazemos a nós mesmos, e não cumprimos. Sua atitude muda com alguém que precisa perder peso pela estética ou pela saúde?
Seria mais seguro se o endócrino fosse sempre acessado para conduzir a perda ponderal, mas nem sempre é a realidade. Hoje temos muitas pessoas que se valem de automedicação, que ouvem gurus da Internet e também alguns charlatões. Em relação ao tratamento da obesidade, existem graus de excesso de peso. Todos os pacientes devem ser ouvidos e tratados (com ou sem medicamentos) quando existe sofrimento, seja secundário ao sobrepeso estético, seja a doenças clínicas.
3- Em que momento ou situação na vida a pessoa deve procurar um endócrino?
Para citar alguns: a criança que apresenta distúrbios do crescimento e desenvolvimento puberal; pessoas que, ao longo da vida, desenvolvem distúrbios de tireoide; mulheres na fase de transição menopausa; homens com redução de testosterona; idosos com osteoporose… São múltiplas as indicações para uma avaliação endocrinológica que podem ocorrer ao longo da vida, além das alterações metabólicas, como sobrepeso, obesidade e transtornos alimentares.
4- Você disse à coluna que o que mais chama atenção em seus consultórios é a sobrecarga física e mental a que as pessoas estão sendo submetidas com a exigência de performance e a padronização da estética. Pode falar sobre isso?
O mundo digital é nutrido por algoritmos; é inegável o peso que esse fenômeno exerce na população atual. Sem perceber, as pessoas estão vivendo como em uma grande matrix, consomem informações superficiais, distanciaram-se do pensamento filosófico, tornaram-se mais imediatistas, perderam o hábito da leitura profunda, da argumentação e vivem de forma espelhada. O resultado não poderia ser outro: modelos e padrões a serem seguidos são criados e, sem julgamento crítico, só resta ao ser humano a angústia, o adoecimento físico e mental. Considero uma pauta urgente discutir a reconexão consigo, com a natureza, com elementos simples da rotina, a prática da leitura e do estudo e o cuidado com a saúde espiritual. Sem esses pontos, seguiremos cegos e sofrendo.
5- Não tem como falar de endocrinologia, citando um assunto que, há alguns anos, está em alta: a fabricação de semaglutida com a queda da patente do Ozempic em 2026. O prefeito Eduardo Paes prometeu o lançamento de um programa de saúde para pessoas obesas, com a distribuição de uma versão genérica do Ozempic. Explique para um leigo, por exemplo, como funciona o “milagre” desse medicamento e como fazer pra dar certo?
A molécula do Ozempic, a semaglutida, fez parte de um programa de estudos clínicos muito sério, iniciado há 20 anos. A empresa que desenvolveu a molécula foi a mesma que desenvolveu as primeiras insulinas que salvam vidas há mais de 100 anos — não foi da noite para o dia. A semaglutida é uma molécula cópia de um hormônio que produzimos no intestino, o GLP1, que informa aos órgãos a entrada do alimento; e, no cérebro, gera saciedade. Por sua segurança cardiovascular e sua potência, representa um grande divisor de águas no tratamento da obesidade. Fico muito feliz com o pronunciamento do Eduardo Paes, pois mostra sensibilidade social e preocupação com o extrato social em que a prevalência da obesidade é muito alta.
6- Quais os casos indicados e os efeitos que podem surgir?
A indicação de bula são pacientes com obesidade, IMC acima de 30 ou sobrepeso com comorbidades secundárias ao ganho de peso (hipertensão, colesterol alto, síndrome metabólica…). Os efeitos colaterais mais comuns (em média, 30% dos pacientes no início do tratamento) são gastrointestinais, como refluxo gastroesofágico, náusea e constipação.
7- Você fez doutorado sobre a relação entre cortisol (hormônio do estresse) e doenças cardiológicas, quando a palavra cortisol nem era conhecida…. Primeiramente, a pessoa que a procura acredita ter um problema e sai do seu consultório com diagnóstico completamente diferente do que imaginou?
Sim, quando decidi estudar cortisol e seus efeitos, em 2009, estresse e saúde mental eram temas pouco discutidos tanto no âmbito social como no acadêmico. Mas eu vinha de uma experiência prévia de pesquisa na área de psiconeuroendocrinologia no IEDE, com dois grandes pesquisadores e amigos, Walmir Coutinho e José Carlos Apolinário. Foi lá que elaborei meu interesse pelo tema. Além disso, acredito que a fragmentação do indivíduo em órgãos e sistemas atende a uma lógica prática, mas se distancia da essência da Medicina, que é cuidar de pessoas em sua integridade física, mental e social. E é isso que me interessa: cuidar de pessoas, não de órgãos.
8- Há alguns anos, o padrão feminino é um só: harmonização e magreza, com várias intervenções impulsionadas também por influenciadores, o que leva a transtornos psicológicos diversos porque, como sabemos, cada um tem uma fisiologia. Aonde vamos chegar?
Não sei aonde chegaremos. Acho uma cafonice tudo isso; talvez uma cegueira coletiva. Fico imaginando José Saramago discorrendo sobre esse fenômeno (rsrsrs).
9- Na All Clinic, você reúne profissionais que conciliam Ciência e olhar empático ao que existe de mais atual em tecnologia diagnóstica e intervenção segura para qualidade de vida. A maioria que tem plano de saúde ou depende do SUS não tem a mesma sorte… Alguma dica?
O modelo da All Clinic eu construí a partir dos meus 15 anos de trabalho voluntário no SUS, no ambulatório de psiconeuronedocrinologia no Instituto Estadual de Diabetes e Endocrinologia/ (IEDE). Lá víamos o paciente como um todo, com um time de endocrinologistas, nutricionistas, psiquiatras e psicólogos. Foi um período de muito aprendizado e trabalho, do qual me orgulho muito. Mas, sem dúvida, são ilhas de assistência — ainda temos muito a avançar na promoção da qualidade de vida no cenário público.
10- E, como sempre, o corpo da mulher é diferente do do homem, e ainda temos uma menopausa no caminho. Você disse à coluna que é uma fase linda de mudanças, descobertas e crescimento, quando bem trabalhada… Pelo amor de Deus, como assim?
Em “Os Irmãos Karamasov”, Dostoievski diz que “tendo em vista que já estava com 50 anos, idade em que um homem mundano e inteligente sempre se torna mais respeitoso consigo mesmo, às vezes até involuntariamente…”. Essa construção me toca profundamente. Eu, realmente, vejo as mudanças hormonais e cerebrais no homem e na mulher de meia-idade como um chamado, algo lhe dizendo que sua vida precisa mudar, ou você passa a se respeitar, a exercer o “egoísmo saudável” (expressão que cunhei e uso muito na minha clínica), ou a vida passará sem você usufruí-la plenamente. Pra mim, esse ganho de consciência, essa maturidade, essa presença tornam as rugas e a perda do colágeno — que, sem dúvida, chegam juntas — de importância limitada.
11- O aumento do uso das telas, a rotina e estilo de vida, ritmo e consumo das grandes cidades são um risco para a saúde, um caminho sem volta… Muitas pessoas recorrem a subterfúgios: comida, álcool, cigarro etc. O que você indicaria para uma pessoa que está num ciclo vicioso e não consegue sair pelo meio em que vive?
Alguns não sabem ou não têm escolha, mas muitos, de forma consciente, se metem nesse buraco, constroem um estilo de vida insalubre em prol de ganhos materiais, status ou poder. São decisões pessoais. Como médica, não consigo acessar tão profundamente a alma humana, apenas recomendar o que, baseado na Ciência e nos grandes estudos epidemiológicos, as faria viver mais tempo e com mais qualidade, que é cuidar do seu sono, comer alimentos frescos, in natura, manter-se ativo, ter conexões interpessoais de qualidade, reduzir o álcool e trabalhar a espiritualidade associada ao manejo do estresse.
12- Rio ou SP? O que ambas as cidades têm de bom para o estilo de vida e de ruim?
Amo e tenho restrições a ambas. Viver em grandes metrópoles é um risco adicional para nossa saúde, mas também é uma delícia. E esta é a graça da vida: podermos escolher e correr riscos.