Minha filha caçula, a Lara, se interessa por moedas. De um jeito pouco ortodoxo. Outro dia, lockdown correndo solto, ela passou parte da tarde debruçada sobre o tanque, concentrada, esfregando uma escovinha com sabão de coco em uma velha moeda de cinco centavos. “Lavagem de dinheiro, filha?”. Indiferente à piadinha, respondeu, séria: “Sim. É para o meu canal de lavar moedas no TikTok”.
No dia em que flagrei minha própria filha lavando dinheiro, fiz o que qualquer mãe sensata faria. Fingi não ter ouvido a história do TikTok e resolvi doar minha pequena coleção de moedas para ela. Tenho algumas brasileiras, antigas, e também um punhado de outros países, aquele troco que a gente não consegue gastar no aeroporto e nunca se lembra de usar na viagem seguinte. Fora a “herança”, prometi também que levaria Lara, assim que possível, a uma jornada numismática, um passeio ao Museu de Valores do Banco Central, em Brasília.
Por sorte, não precisei esperar. O Banco Central acaba de abrir ao público o tour virtual do Museu de Valores – o espaço está fechado fisicamente por tempo indeterminado devido à pandemia. Inaugurado em 1972 no Rio, foi transferido, em 1981, para o edifício sede do BC, no Distrito Federal. Em seu acervo há mais de 135 mil peças: cédulas e moedas brasileiras e estrangeiras, barras de ouro, pepitas, condecorações, medalhas e artefatos ligados à fabricação do dinheiro.
O tour é muito rico, com trocadilhos. Está exposta lá a pepita Canaã, com 60 quilos, 90% de ouro, tirada de Serra Pelada. É a maior pepita em exposição no mundo. Tem também a moeda rara da coroação de D. Pedro I, em 1822, e a cédula de um conto de réis, conversível em ouro no início do século XX.
Muita coisa me surpreendeu durante a exploração. Quem diria que as “humilhadas” patacas foram justamente as moedas que circularam por mais tempo no Brasil? Por 139 anos, de 1695 a 1834. A série, de prata, era composta por moedas de 20, 40, 80, 160, 320 e 640 réis. A de 320 era a pataca propriamente dita, nome que tem origem na moeda espanhola patagon. Meia-pataca, portanto, era a de 160 réis, o popular “vale nada”.
Não faltam curiosidades, como grandes cédulas quadradas. Ou a moeda faca da China, de 1100 aC. A China, aliás, parecia campeã em moedas com formas de objetos. Tinha também a moeda bote (usada para grandes pagamentos) e a moeda chave. A estilosa moeda chapéu, no entanto, é de Botswana. A maior de todas, independentemente do formato? Uma sueca, que pesava quase 20 quilos e media aproximadamente 70 cm x 30 cm.
Vi, pela primeira vez, uma legítima nota de 500 dólares, que deixou de ser impressa em 1964, pois era muito visada pelo crime organizado, a ponto de valer mais que seu próprio valor de face. A nota traz a efígie do ex-presidente americano William McKinley.
Divertidas artes de Millôr Fernandes dão graça ao ambiente. O dinheiro cai do céu em “Meios Modernos de Pagamento”, criação de 1979. Na vida real, cai de uma máquina de cunhar mesmo, máquina esta que pode ser vista na aba “Temporárias” – onde está a exposição em homenagem aos 25 anos do Real. Em um momento que o IGP-M supera 30% em 12 meses, me parece bastante sensato prestigiar o Plano Real.
A pegada de educação financeira aparece em “Parou para pensar?”, seção que revela os truques do consumo em shoppings e supermercados e ensina, por exemplo, alguns princípios de psicologia econômica e conceitos como o “comportamento de manada”.
Além da Sala Brasil, Emissões, Curiosidades, Sala Mundo e Sala Ouro, o tour virtual tem ainda a Galeria de Arte, com a “Persistência da Memória” em uma linha do tempo como fio condutor da exposição. O módulo atual é sobre os Anos Rebeldes. Portinari e Volpi estão na galeria, nas salas “Cenas Brasileiras” e “Bandeira do Brasil”.
Vivemos tempos de pagamentos eletrônicos, criptomoedas e “lavagem de dinheiro” no TikTok, mas, definitivamente, um museu de valores tem seu charme próprio. Desbravar a história do dinheiro é uma trilha curiosa para conhecer parte da história de um país, de um povo, de uma cultura. O tour é de graça.