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Luisa Mascarenhas

Por Luisa Mascarenhas, psicóloga e escritora Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
Autora do livro 'A Vida Virtual Como Ela é'
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“Quero uma coisa leve”

Por que tanta gente anda buscando leveza na vida social e amorosa? Só eu ando achando isso pesado?

Por Luisa Mascarenhas Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
18 ago 2023, 10h26
Pluma
 (pixabay/pixabay)
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Agora virou moda, é quase palavra de ordem. Leveza. Tenho achado curioso o tanto de gente buscando “uma coisa leve”. Tem uma legião de panicados com tudo que remeta a compromisso, cobrança, aprofundamento ou expectativa de qualquer tipo, mesmo que seja uma semelhança longínqua. Amigos leves, parceiros leves, relações leves, conversas leves. Todo mundo querendo leveza.

De tanto que ouço falar, essa tal leveza anda me encucando. Afinal de contas, o que ela seria exatamente? Pelo que tudo indica, no âmbito social seria algo do tipo “pessoa alegre e sem problemas”, com papo sobre coisas que não gerem inquietações ou precisem de maiores esforços emocionais ou intelectuais. E, pelo lado das relações amorosas, pessoas que não esperem nada, não demandem nada, não cobrem nada, não aprofundem nada e apresentem apenas momentos gostosos, felizes e contentes. Parece que as pessoas engoliram o Instagram. Internalizaram essa vida “leve” das redes, e estão achando que o mundo deveria ser assim. Acreditam que exista na vida real o que veem no mundo online.

Hoje em dia, se você joga numa roda de conversa qualquer tema que exija um pouco mais de comprometimento emocional, que toque em qualquer “lugar” mais sensível para as pessoas, logo alguém olha de cara feia, querendo a qualquer custo mudar o rumo da prosa.

Acho a necessidade de ser superficial e alegre o tempo todo uma chatice. Todo assunto, mesmo que venha com muita carga emocional, pode ser abordado de forma espirituosa. Não ser leve não é ser estraga-prazer. É muitas vezes apimentar a interação trazendo elementos com mais camadas de emoções e mais necessidade de articulação.

Outro dia sentada numa mesa de bar, a amiga de uma amiga minha comentava sobre um cara com quem ela saiu. Reclamou à beça porque ele falou sobre questões pessoais. Tá certo que não dá para saber se ali na hora do encontro foi mesmo sem contexto, mas a queixa dela me impressionou. Ela desabafou dizendo que já tem problema demais e que sai com caras querendo se distrair e não falar em coisas pesadas. Mas assim, pelo relato, ele não tinha dito nada de grave, não havia compartilhado nenhum grande drama. E foi sumariamente descartado. Entrou na categoria “pessoa pesada”. O que poderia servir como possível conexão emocional causou repulsa. Ela está em busca de leveza e não abre mão. Lembrando que ela própria disse que estava cheia de problemas. Penso, às vezes, que o justo é que cada pessoa que exige leveza do outro tivesse que passar pelo menos uma semana, ou bastava um dia, observando se ela própria é, assim, uma pluma…

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Quanto mais as pessoas buscam leveza, mais me pergunto se é porque estão fracas. Qualquer coisa lhes parece um peso insuportável, um fardo. Ou talvez esse “fenômeno” tenha a ver com uma imensa sobrecarga que está generalizada no mundo de hoje. Ninguém está aguentando um alfinete a mais do que já carrega. É a famosa gota d’água.

Sou de uma tribo que anda fora de moda. É através das vulnerabilidades que costumo me conectar com as pessoas. Sempre brinco que detesto gente muito “bem resolvida”. Mas é modo de falar, porque eu gosto sim de gente bem resolvida. Mas é que, para mim, gente bem resolvida para valer não é isso que andam vendendo por aí. É quem admite suas fragilidades, que consegue compartilhar seu lado vulnerável, e sabe escutar e lidar com as vulnerabilidades alheias, sem julgamentos, acolhendo e buscando contribuir de alguma forma. Essas para mim são as pessoas bem resolvidas, fortes, que não fogem à luta.

Leveza é bom em muitos momentos, mas nem sempre é possível e nem sempre é sequer desejável. Ninguém é leve o tempo todo, e nenhuma relação é leve o tempo todo também. Gente boa de se conviver não é quem não “dá trabalho”, e sim quem tem estofo mental para dar conta da vida, de se relacionar, e que tem coisas boas para oferecer e compartilhar. Gente que não panica no primeiro ventinho que bate, na primeira expectativa que surge, no primeiro esforço emocional ou intelectual que aparece, na primeira concessão que precisa fazer, na primeira demanda que lhe fazem. Que é forte, não no sentido de não se abater com nada, mas sim de conseguir lidar com suas fragilidades e as fragilidades alheias. Que consegue aceitar os vazios, as falhas, os medos, as angústias, dela e de quem ela convive.

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Acredito que, depois dos quarenta, uma pessoa que não tem carga alguma é uma pessoa sem história. Falta consistência, falta repertório de vida. Só é levinho quem nada construiu e, portanto, nada perdeu. E mesmo assim não costumo achar que são pessoas leves. Em geral, acho que são deprimidas disfarçadas de animadas, ou apenas pessoas rasas, superficiais.

Tenho a sensação de que as pessoas andam vivendo em modo econômico de bateria. Estão se acovardando para lidar com suas vidas e com as vidas de quem as cerca. Parece que têm tão pouco a oferecer que se tiverem que carregar um peso extra por alguns minutos, já sucumbem. Mas não percebem que a vida é feita de idas e vindas. Uma hora você ajuda, ouve, outra hora é ajudado, é ouvido. Uma hora você estende a mão, outra hora alguém estende a mão para você. E quando é para receber amparo, apoio em momentos duros (e a vida sabe ser dura), você não quer alguém levinho. Você quer alguém firme. Alguém que se compromete, que se responsabiliza. E responsabilidade implica em capacidade de segurar cargas pesadas. Gente levinha demais não dá conta.

Se você anda obcecado com leveza, talvez esteja precisando se tornar mais forte. Fortalecer as emoções, o caráter, o intelecto, e até o corpo. Assim vai conseguir lidar com mais peso. Não vai ficar que nem doido atrás de plumas humanas, que eu até hoje não conheci. Conheço sim gente com energia boa, que alegra o ambiente. Gente alto astral, que não é muito encanada, que não se leva tão a sério. Mas isso não significa que sejam pessoas sem problemas, sem fragilidades, sem cargas a serem divididas em alguns momentos. São pessoas positivas em sua forma de encarar a vida, pessoas que amam viver e que lidam bem com grande parte dos desafios que enfrentam. Certamente não com todos.

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Leveza é ótimo. Força é ótimo. Profundidade é ótimo. Humor é ótimo. Tesão é ótimo. Respeito é ótimo. Inteligência é ótimo. Sensibilidade é ótimo. Responsabilidade é ótimo. Amorosidade é ótimo. Papo bom é ótimo. Tem muita coisa ótima por aí, a leveza é mais uma delas. Só que anda superestimada, em detrimentos do resto. Inclusive um certo peso pode ser ótimo.

Assim como levantando cargas pesadas nos fortalecemos fisicamente, lidando com os pesos da vida e das pessoas também nos tornamos mais fortes. Não tira nada de ninguém, muito pelo contrário. É vendo que temos o que oferecer que percebemos nosso valor, nosso significado, nosso potencial. E as cargas, quando compartilhadas, pesam imensamente menos. Até porque carregando juntos, a gente vai batendo papo, vai rindo dos esbarrões, dos tropeços, e até das quedas.

Pega leve, gente. Essa mania de leveza às vezes é pesadíssima.

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